segunda-feira, 19 de julho de 2021

Qual o caminho que queremos seguir?

  O PISA (Programme for International Students Assessment), no domínio Matemática, e o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) são estudos internacionais, de periodicidade trienal e quadrienal respetivamente, que permitem avaliar e comparar o desempenho em Matemática dos alunos dos sistemas educativos dos países participantes, segundo critérios definidos internacionalmentee que fornecem informação relevante quanto à necessidade de redefinir estratégias de política educativa, que poderão contemplar reformas curriculares e reorientação de práticas de ensino da Matemática.

Portugal participou em todas as edições do PISA (organizado pela OCDE), desde o seu início em 2000, e participou naedições do TIMSS (organizado pela IEA) de 2011 e 2015 com alunos do 4º ano e nas edições de 1995 e de 2019 com alunos do 4º e do 8º anos de escolaridade. 

 

A propósito da atual proposta de revisão curricular em Matemática para o ensino básico e da realização do exame nacional de Matemática, surgiram, nos jornais das últimas semanas, várias referências aos resultados obtidos pelos alunos portugueses nas avaliações do PISA e do TIMSS e sugestões de interpretação desses resultados. Como referido, os resultados obtidos não enganam: relativamente à Matemática os resultados dos alunos portugueses no Pisa melhoraram muito significativamente de 2000 a 2015, em particular até 2012(1), mas os resultados obtidos em 2019 não registaram melhoria. No TIMSS os resultados dos nossos alunos também subiram tendo mesmo ultrapassado os dos alunos finlandeses em 2015, porém em 2019 houve uma descida significativa. O que pode explicar a inversão de uma tendência que parecia consolidar-se em 2015? 


(1) De 2012 para 2015 a melhoria não foi estatisticamente significativa como se lê na página 101 do Relatório português Pisa2015

 


O que os números revelam

 

PISA - No Pisa 2015, realizado em Abril de 2015, participaram 7325 alunos portugueses selecionados num universo de 101 107 estudantes, e no Pisa 2018, realizado na Primavera de 2018, participaram 5932 alunos portugueses selecionados num universo de 110 732 estudantes. Todos eles, com idade compreendida entre os 15 anos e 3 meses e os 16 anos e 2 meses, e com os 6 primeiros anos de escolaridade obrigatória já completos à data da prova. Na sua maioria, os alunos participantes encontravam-se a frequentar um dos dois primeiros anos do ensino secundário, como é atestado pelos números apresentados nas tabelas seguintes.

 



·    Os dados indicados na 1ª tabela permitem concluir que dos alunos que realizaram a prova de Matemática Pisa 2015, 88,4% não haviam ainda sido abrangidos pelas Metas Curriculares implementadas pela primeira vez em 2013/14.  Se tivermos em conta que, à data do teste, os alunos de 15 anos a frequentar o 7ºano ou o 8º ano de escolaridade seriam quase todos alunos repetentes, é legítimo assumir que a melhoria significativa de desempenho dos alunos no teste Pisa 2015 foi mérito de alunos com aprendizagem exclusivamente orientada pelo Programa de Matemática do Ensino Básico de 2007, homologado em 2007 (abreviadamente Programa de 2007).

·      Os dados indicados na 2ª tabela permitem concluir que relativamente aos alunos que realizaram a prova de Matemática Pisa 2018, a aprendizagem em Matemática no 2º e no 3ºciclos do ensino básico de pelo menos 88,6% deles foi orientada pelas Metas Curriculares uma vez que as Aprendizagens Essenciais só seriam implementadas no ano escolar seguinte.

 

Os números revelam que a aprendizagem da Matemática e o desenvolvimento das capacidades que essa aprendizagem é suposto promover, foram mais bem sucedidos durante a vigência do Programa de 2007 do que durante a vigência das Metas Curriculares, contrariamente à expectativa que estas últimas criaram em alguns sectores da nossa sociedade.

 

TIMSS - No TIMSS 2015 foram seleccionados 4693 alunos portugueses do 4º ano; no TIMSS 2019 foram seleccionados 4300 alunos portugueses do 4º ano e 3377 alunos portugueses do 8º ano. 

Nas tabelas seguintes indica-se a percentagem de alunos nascidos em cada um dos anos indicados.

 

TIMSS 4º ano - 2015

 

TIMSS 8º ano - 2019

 

TIMSS 4º ano - 2019

Nascidos em 2002

0,4%

Nascidos em 2001

0,3%

Nascidos em 2006

0,2%

Nascidos em 2003

1,7%

Nascidos em 2002

2%

Nascidos em 2007

1,9%

Nascidos em 2004

11%

Nascidos em 2003

5,9%

Nascidos em 2008

13,8%

Nascidos em 2005

86,2%

Nascidos em 2004

14,9%

Nascidos em 2009

83,6%

Nascidos em 2006

0,4%

Nascidos em 2005

76,4%

Nascidos em 2010

0,5%

Nascidos em 2007

0%

Nascidos em 2006

0,5%

Nascidos em 2011

0%

Nascidos em 2008

0%

Nascidos em 2007

0%

Nascidos em 2012

0%

Nascidos em outro ano

0,2%

Nascidos em 2008

0%

Nascidos em outro ano

0%

 

 

 

Pontuação obtida

541

Pontuação obtida

500

Pontuação obtida

525

Posição

13ª

Posição

18ª

Posição

20ª

 

 

 

 

 

 

 

 Pontuação obtida na componente cognitiva – 4º ano

2011

 

2015

 

2019

Conhecer

531

Conhecer

548

Conhecer

523

Aplicar

534

Aplicar

540

Aplicar

528

Raciocinar

531

Raciocinar

532

Raciocinar

519

Pontuação obtida na componente cognitiva – 8º ano - 2019

Conhecer

498

 

Aplicar

497

 

Raciocinar

508

 

Nota: 500 é o ponto central da escala TIMSS

 

 

·      Os alunos que participaram no TIMSS2011 eram alunos do 4º ano abrangidos em todos os seus anos de escolaridade de 1º ciclo pelo Programa de 2007. A pontuação obtida por esses alunos foi de 532 pontos, colocando Portugal na 15ª posição. Nas únicas provas em que anteriormente haviam participado (1995) os alunos portugueses obtiveram 442 pontos.

·    No ano letivo 2018/19 entraram em vigor as Aprendizagens Essenciais que introduziram uma diminuição na extensão dos conteúdos a lecionar e algumas orientações curriculares, mantendo-se, no entanto, em vigor o programa e as metas curriculares de 2013. 

·      Os dados indicados na coluna mais à esquerda da tabela permitem concluir que 86,2% dos alunos que realizaram a prova para o 4º ano em 2015 foram ainda abrangidos pelo Programa de 2007 no 1º ano e no 2º ano de escolaridade. 

·   Os dados indicados na coluna central da tabela permitem concluir que 76,4% dos alunos que realizaram a prova para o 8º ano em 2019 foram abrangidos pelas Metas Curriculares desde o 3º ano de escolaridade. 

·        Os dados indicados na coluna mais à direita da tabela permitem concluir que 83,6% dos alunos que realizaram a prova para o 4º ano em 2019 foram abrangidos pelas Metas Curriculares em todos os anos de escolaridade. 

·      Não sendo possível comparar os resultados relativos às três componentes cognitivas obtidos pelos alunos do 8º ano em diferentes anos, podemos comparar os resultados obtidos nesta prova e na prova do 4º ano realizada em 2015. Porquê? Porque todos os alunos do 8º ano em 2019 sem retenção em nenhum dos anos de escolaridade, frequentavam o 4º ano em 2015. O que pode explicar que a mesma geração tenha desempenhos tão diferentes a Matemática no 4º ano e no 8º ano? Observe-se que a quebra nos resultados também se verifica quando comparamos os resultados de 2015 com os resultados obtidos pelos alunos de 4º ano em 2019. O que há de comum associado a estas duas quebras?


Fontes 

2015

TIMSS 2015 International Database Downloads

 

 

International Database

Almanacs

TIMSS 2015 Fourth Grade Almanacs

 

Ficheiro   MAT/T15_G4_MAT_StudentAlmanac.pdf, página 5

2019

TIMSS 2019 International Database Downloads

 

International Database

Data Almanacs

TIMSS 2019 Data Almanacs - Grade 4

 

Ficheiro T19_G4_Almanacs/Context/T19/T19_G4_MAT_StudentAlmanac.pdf, pg5

 

International Database

Data Almanacs

TIMSS 2019 Data Almanacs - Grade 8

 

Ficheiro T19_G8_Almanacs/Context/T19/T19_G8_MAT_StudentAlmanac.pdf, pg5

TIMSS 2019 – PORTUGAL, Volume 2, IAVE

Figura 3 - Evolução dos resultados médios dos alunos portugueses a Matemática segundo a componente cognitiva


 

Os números do TIMSS também indiciam que a aprendizagem da Matemática e o desenvolvimento das capacidades que essa aprendizagem é suposto promover foram mais bem sucedidos durante a vigência do Programa de 2007 do que durante a vigência das Metas Curriculares.

 

A que reflexão nos obrigam estes dados? Podemos defender a manutenção das Metas Curriculares? Substituímo-las pelo Programa de 2007? Ou, não ignorando as exigências e as tendências dos dias de hoje, repensamos o currículo? Afinal, qual o caminho que queremos seguir?


Mª João Gouveia

Matemática, CiênciasULisboa

Grupo de trabalho RCAEMEB


 

2 comentários:

  1. Maria João,
    Gostei muito de ler o teu artigo. A Estatística serve para alguma coisa, até para contar a verdade...!
    Beijinho
    Maria Eugénia Graça Martins

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