terça-feira, 18 de novembro de 2025

Controvérsias Eleitorais

As eleições para a Assembleia da República e para a Presidência da República são fundamentais para a vida democrática em Portugal. São igualmente importantes as eleições autárquicas e as eleições para todo o tipo de associações. O regime político democrático instituído a partir de 25 de abril de 1974 permite que os cidadãos definam qual o método eleitoral que pretendem usar em cada caso.


Há muitas controvérsias associadas às eleições em Portugal, não porque haja fraudes, mas porque há pessoas que defendem que sejam feitas de outro modo. Por exemplo, o partido Iniciativa Liberal defendeu em outubro de 2023 que nas eleições para a Assembleia da República deveria haver um “círculo de compensação de 40 deputados”, ou seja, apenas 230-40=190 deputados seriam eleitos pelo método atual e os 40 deputados restantes seriam eleitos a partir dos votos que não tinham ainda sido traduzidos em deputados. Que diferença faz isso? Se este método “misto” tivesse sido aplicado nas eleições de 2022, os partidos CDS e RIR teriam eleito deputados.

Atualmente nas eleições para a Assembleia da República é usado o método proporcional de D’Hondt, assim como noutros países, mas outros usam o método de Sainte Lague que é mais fiel a uma proporcionalidade matemática absoluta mas não facilita maiorias absolutas. Outros defendem o método dos círculos uninominais (um círculo elege um só deputado) mas aí a proporcionalidade é fraca. 

O desenho dos círculos eleitorais está sujeito também a controvérsia pois os dados estatísticos de sondagens e eleições anteriores indicam uma tendência de votação e os maiores partidos têm tendência em “recortar” os círculos de modo favorável às suas pretensões. Esta é uma das razões para em Portugal os círculos eleitorais corresponderem aos velhinhos distritos, pois qualquer alteração dificilmente seria consensual.

Qual o melhor método eleitoral democrático? O matemático Kenneth Arrow recebeu em 1972 o Prémio Nobel da Economia por ter provado, sob certa condições ditas “democráticas”, não existir um sistema eleitoral que permita obter a “melhor” opção que traduza a vontade dos votantes. 

Kenneth Arrow (1921-2017)

O que a Matemática faz é analisar todas as opções possíveis, e para cada situação concreta,os responsáveis escolherão a que parecer mais adequada. Por exemplo, nas eleições para a Assembleia da República, o método de D’Hondt fornece uma proporcionalidade mitigada que favorece a constituição de coligações maioritárias. Já o método de Sainte Laguë seria preferível nas eleições para o Parlamento Europeu pois a sua mais fiel proporcionalidade iria permitir alargar o leque de opiniões que vão ser refletidas no Parlamento Europeu que não tem de eleger um Governo.

Estas são algumas considerações que qualquer cidadão deveria poder fazer se conhecesse minimamente os modelos matemáticos que caracterizam diferentes eleições. A partir de setembro de 2024 quase todos os estudantes do ensino secundário em Portugal vão poder estudar alguns Modelos Matemáticos para a Cidadania que incluem alguns Modelos Matemáticos nas Eleições. Os novos programas de Matemática A, Matemática B e do Ensino Profissional (tal como já antes MACS-Matemática Aplicada às Ciências Sociais) incluem um tal capítulo no seu início onde, em particular, os alunos devem ficar a “perceber que existem modelos matemáticos que permitem criar procedimentos para transformar as preferências individuais numa decisão coletiva”. Estes novos programas indicam que se estude na sala de aula “o reconhecimento da necessidade da matemática para definir métodos eleitorais” e “a clarificação da importância da participação de cada cidadão na eleição dos seus representantes (delegado de turma, associação de estudantes, estruturas sindicais e poderes políticos)”. E também “a análise de situações que evidenciem claramente o facto de métodos eleitorais diferentes gerarem escolhas diferentes para a mesma votação”.

Os novos programas preconizam o “reconhecimento do Ensino Secundário como um ciclo que é parte integrante da formação geral dos jovens (...) em que todas as disciplinas, incluindo a Matemática, devem contribuir para o desenvolvimento dos alunos enquanto cidadãos ativos, conscientes, informados e interventivos.”

Não há cidadãos plenamente conscientes e interventivos sem dominar de forma segura os conhecimentos básicos, onde se incluem hoje os modelos matemáticos dos fenómenos naturais e sociais.

(publicado na revista "a página da educação", nº 223, 2024)


segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Maldita Matemática!

 

O escritor russo Arkady Averchenko (1881-1925) escreveu um delicioso conto humorístico com este título, onde o jovem Semen Pantalikin se enfureceu com a Matemática ao não saber resolver o problema do teste decisivo apresentado pelo “pobre professor de Matemática, completamente desprovido de imaginação” pois isso implicou reprovação na disciplina: “Estou perdido! O meu pai dar-me-á uma sova em vez da espingarda prometida. Maldita Matemática!” E o que impediu o jovem Pantilikin de resolver o problema de Matemática? “O problema era demasiado abstracto para ele, que preferia as imagens concretas”. O problema começava com “Dois lavradores saíram do povoado A em direcção ao povoado B; o primeiro anda 4 quilómetros por hora e o segundo 5” enquanto o jovem Pantilikin pensava “Que é isto de lavradores primeiro e segundo? Por que não haveriam de dar-lhes nomes humanos? Chamarem-lhes por exemplo, João e Basílio talvez tivesse sido prosaico em excesso; mas por que os não baptizaram com nomes romanescos como Guilherme e Rodolfo?” Então o jovem reescreveu primeiro o problema de uma forma que se entendesse: “Antes de o sol dourar as copas dos gigantescos ‘baobabs’, de os pássaros das regiões tropicais despertarem nos seus ninhos, de os cisnes negros saírem dos enormes matagais de bambus australianos, Guilherme Bloker, o célebre bandido, terror de todo o país, pôs-se a caminho…”

Claro que com tanto romance, no fim não teve tempo sequer de reescrever completamente o problema, quanto mais de o resolver! Reprovado!

 


A história do jovem Pantilikin talvez seja mais emocionante que a de muitos jovens portugueses, mas o resultado acaba por ser o mesmo. Porquê? Já fiz parte de uma comissão que produziu um relatório intitulado “Diagnóstico e Propostas para a Matemática Escolar” que foi editado pelo Ministério da Educação, mas nenhuma medida chegou a ser implementada, por razões que nunca consegui descortinar. Recentemente uma muito mediática comissão denominada “Comissão para a Promoção do Estudo da Matemática e das Ciências” elaborou um relatório que nunca chegou a ser publicado, mas cujas recomendações circularam na internet; nenhuma recomendação foi implementada. Porquê? Haverá uma maldição (certamente ancestral) associada à disciplina de Matemática?

 

Em Portugal (e noutros países) os responsáveis caem muitas vezes na tentação de diminuir o lugar da Matemática nos currículos (“se não há Matemática não há insucesso”); raciocínio primitivo que leva a que, por exemplo, depois da recente reforma do ensino secundário, uma fracção significativa de futuros professores do 1º ciclo terminem a sua formação matemática no 9º ano (não necessariamente com nota positiva); depois pretende-se que os professores do 1º ciclo ensinem mais Matemática? E que professor pode ensinar aquilo de que não gosta (e necessariamente não entende)?

 

Antes de tentar perceber porque se revela a Matemática tão difícil, deveremos indagar se é ou não importante saber Matemática para além dos temas mais elementares abordados no Ensino Básico. Hoje em dia um cidadão é confrontado com gráficos de muitos tipos, com a necessidade de gerir rendimentos, impostos e empréstimos, com um sistema eleitoral que não sabe se deve ser alterado, com sondagens frequentemente contraditórias, com previsões sobre a evolução de epidemias ou do aquecimento global, etc, etc, etc. Não é possível que a Matemática de um Ensino Básico de 9 anos prepare um cidadão para a vida de hoje. E se a tudo isso adicionarmos a formação que prepare para o bom exercício de alguma profissão…

 

Temos então de concluir que a Matemática no ensino secundário precisa de ser estudada por todos (não necessariamente a mesma) e bastante para além do mínimo indispensável a um cidadão do século XXI. Sendo assim é preciso investir decididamente para ultrapassar as dificuldades do ensino secundário da Matemática. De forma coerente e sistemática, como infelizmente não tem acontecido em Portugal, nem nos últimos tempos nem em tempos mais recuados!

 

(texto publicado na revista "a página da educação", nº 143, Ano 14, Março 2005

O futuro da educação na Europa

 

A Comissão Europeia (CE) divulgou no passado dia 5 de março um Plano de Ação para as Competências Básicas (Action Plan on Basic Skills), que pretende desenvolver nos próximos anos, para responder ao problema de um em cada três jovens de 15 anos terem dificuldade em compreender e aplicar a matemática em situações da vida real e um em cada quatro não conseguirem compreender textos básicos nem aplicar conhecimentos científicos simples.

 

EC

Este Plano de Ação foi desenvolvido porque a CE constatou que uma competitividade forte e uma coesão social europeias eficazes pressupõem competências básicas sólidas. Estas estão na base de outras competências como a criatividade e o pensamento crítico, sendo essenciais para a melhoria das competências adquiridas assim como para os jovens se tornarem cidadãos ativos, informados e capazes de se atualizar em permanência.

 

A CE constatou que em muitos países da União Europeia há um nível de competências de literacia de Leitura, de Matemática e de Ciências, muito inferior a países como o Canadá, o Japão, o Reino Unido e os Estados Unidos da América. Constata que tal diferença se manifesta desde os jovens de 15 anos até aos adultos ativos, afetando todos os níveis de ensino incluindo o Ensino Profissional e a Educação de Adultos.

 

O Plano de Ação inclui a definição de um conjunto de cinco competências básicas (Basic Skills Set): Literacia de Leitura, com um desenvolvimento da capacidade linguística desde cedo para garantir uma boa capacidade de leitura; Literacia Matemática, para garantir que os cidadãos são capazes de tomar decisões baseadas em dados, incluindo na área financeira, desenvolvendo a capacidade de resolução de problemas e de pensamento crítico, o que é cada vez mais necessário num mundo com maior presença de tecnologia; Literacia Científica para desenvolver a capacidade de se envolver com questões e ideias relacionadas com a ciência como um indivíduo reflexivo; Literacia Digital para um envolvimento confiante, crítico e responsável com as tecnologias digitais para aprender, trabalhar e participar na sociedade; Competências de Cidadania e Conhecimento Cívico que são essenciais para promover a participação ativa nas sociedades democráticas, onde os rápidos avanços tecnológicos, juntamente com a crescente disseminação de desinformação, tornam o desenvolvimento de competências de cidadania numa fase precoce mais crucial do que nunca.

 

Na sua análise a CE realça que a origem socioeconómica continua a ser o indicador mais forte do desempenho dos alunos em termos de competências básicas pelo que são necessários esforços adicionais para promover a equidade e o bem-estar, mantendo a repetência no mínimo, atrasando a diversificação curricular e limitando a divisão em grupos de competências. A CE também reconhece que há falta de professores, em particular em Matemática, Ciências e Tecnologias, que o envolvimento dos pais na educação tem sido cada vez menor e que a distração digital é um desafio sério ao desempenho académico.

 

A análise da CE inclui a discussão de muitos fatores, que não vamos detalhar aqui, que afetam o sistema educativo, pelo que as soluções apresentadas têm um cariz mais sólido em termos de impacto futuro. A CE lança um Esquema de Apoio às Competências Básicas, de modo que todos os jovens possam atingir um nível adequado de competências básicas no final da escolaridade obrigatória. Este Esquema inclui várias componentes de que destaco a existência de tempo suplementar de aprendizagem e apoio personalizado aos alunos, com programas de tutoria e mentoria. A fase piloto deste Esquema começará em 2026.

 

Outra componente do Plano de Ação da CE inclui apoio aos Educadores por os Educadores e Dirigentes Escolares de todos os níveis de ensino serem essenciais para se conseguirem melhorar as competências básicas. A CE considera que se deve tornar o ensino mais atrativo e se deve combater a escassez aguda de professores. Para isso a CE pretende lançar uma Agenda de Professores e Formadores da UE em 2026. Esta Agenda incidirá na melhoria das condições de trabalho, de formação e das perspetivas de carreira dos educadores, incluindo toda a educação desde o acolhimento na primeira infância. O objetivo é também o de combater a baixa atratividade e sustentabilidade das carreiras, o que conduziu à escassez de professores de Matemática, Ciências e Tecnologias.

 

No documento da CE são avançadas muitas outras medidas que incluem a melhoria da cooperação europeia na área da educação, reforçando o programa Erasmus+ com uma nova comunidade de prática de formadores de professores no âmbito da já existente “Plataforma Europeia de EducaçãoEscolar”.

 

No documento que tenho vindo a referir a CE convida o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e os parceiros sociais a endossarem o Plano de Ação e a apoiarem e contribuírem ativamente para a concretização das suas iniciativas. Se todas as entidades trabalharem em conjunto e envolverem os Ministérios da Educação e outros parceiros em cada país, estou certo que a Educação na Europa melhorará substancialmente.

 

Publicado na revista "a página da educação", nº 225, pg. 86) 

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Como lidar com a falta de professores

Hoje, dia 30 de setembro de 2025, a OCDE promoveu um debate a distância sobre como abordar a crescente falta de professores em cada vez mais países do mundo ("How to tackle teacher shortages").

Este debate foi promovido pela OCDE, uma semana antes de serem divulgados os resultados do último estudo TALIS, que poderão fornecer dados mais detalhados sobre a questão.


A questão é claramente dramática pois faltam cerca de 40 milhões de professores em todo o mundo e não apenas nas regiões economicamente menos desenvolvidas. As razões variam de região para região. Nuns lados não se conseguem formar professores suficientes para responder ao alargamento da escolaridade, noutros o orçamento para a educação não permite contratar professores suficientes, para outros há abandonos da profissão devido às condições de lecionação e às condições remuneratórias.

Eis alguns testemunhos apresentados nesse debate:

"Trabalho na área de educação científica há mais de 50 anos. Sempre houve uma escassez crónica de professores de física, química e matemática naquela época. Pensar que se conseguirão recrutar mais pessoas é um exemplo de repetir continuadamente os mesmos argumentos e esperar uma solução diferente. É realmente necessário um pensamento criativo e inovador para resolver este problema."

"Os salários dos professores no México são um grande problema; normalmente, eles precisam encontrar uma segunda ou terceira fonte de rendimento. Sem mencionar a enorme escassez de profissionais docentes."

"Uganda acolhe cerca de dois milhões de refugiados, a maioria dos quais são jovens de origens multilinguística e necessitam de educação. A admirável política de portas abertas do governo do Uganda acolhe refugiados de vários países para que frequentem a escola juntamente com outros ugandeses. Infelizmente, devido aos cortes significativos de financiamento, o desafio da falta de professores agravou-se em contextos humanitários. Embora o governo pague um número significativo de professores, a necessidade sempre exigiu o apoio de parceiros. A proporção média de professores por aluno em contextos humanitários onde trabalho é de 1 para 117, em vez de 1 para 53."

A ex-Ministra da Educação da Islândia disse que a questão, conhecida na Islândia quando tomou posse, da futura falta de professores, indicou que começou por reunir com as associações de professores para discutir o que os professores no terreno pensam que se deve fazer. Também trabalhou diretamente com as instituições de formação inicial de professores. Reconheceu que a questão não está resolvida na Islândia, mas foi possível aumentar para o triplo a formação inicial de professores. Um dos constrangimentos atuais é a diminuição do financiamento público, defendendo um maior envolvimento das comunidades locais.

Duas questões muito discutidas foram a necessidade de uma maior autonomia dos professores no seu trabalho, mas também de uma preparação mais focada no desenvolvimento de competências necessárias para poder tirar partido da autonomia existente ou reforçada. A importância da formação contínua de professores em serviço foi também referida.

Uma outra questão muito discutida foi a do respeito pela profissão de professores em contraste com a competência e experiência necessárias aos professores, sendo que, no início da carreira, os professores precisam de apoio e uma demasiada autonomia pode ser negativa. A autonomia não parece ser atribuída em função da experiência mas aleatória ou generalizada sem critério.

Uma das sugestões feitas foi a de recrutar para a carreira de professor profissionais de outras áreas, mas com uma formação inicial acelerada, pois não é praticável que as pessoas com uma dezena ou mais de anos de experiência noutras áreas frequentem as formações alongadas dos jovens, até porque aqueles já desenvolveram um conjunto de conhecimentos e competências que não podem ser ignorados.

Outra sugestão foi a de criar comissões locais, envolvendo todos os interessados para discutir o que se poderá/deverá fazer em cada região para minorar a questão da falta de professores.


domingo, 13 de abril de 2025

OCDE: Uma evolução do currículo de Matemática (2024)

 A OCDE publicou em dezembro de 2024 um documento dedicado especialmente ao currículo de Matemática em que se

"Apresenta uma análise internacional dos currículos de matemática com o objectivo de apoiar os países nos seus esforços de reforma curricular."

Este relatório foi produzido no âmbito das atividades da OCDE pelo projeto "Future of Education and Skills 2030 (Education 2030)", que, quase até ao final e enquanto a saúde lhe permitiu, foi produzido por William H. Schmidt (Michigan State University). Em particular, em 2022 foi publicado um relatório de trabalho intitulado "When practice meets policy in mathematics education: A 19 country/jurisdiction case study", cuja leitura se recomenda.

O relatório agora publicado é extremamente importante pois as preocupações com a renovação do currículo de Matemática são comuns à grande maioria dos países, incluindo da OCDE, de que Portugal é um membro ativo. Este documento, tal como a OCDE, defende que a "modernização dos currículos de matemática é crucial" para os países da OCDE e chama a atenção para importância de "um currículo orientado para o futuro".

Atendendo à sua importância vamos aqui apresentar uma tradução (da responsabilidade do autor desta entrada) do sumário executivo do relatório; para clarificação informo que o autor desta entrada do blogue participou nalgumas reuniões preparatórias de elaboração do presente documento, nomeadamente três reuniões com o Professor William Schmidt.



Sumário Executivo

À medida que os decisores políticos globais navegam pelo cenário social, económico e tecnológico em evolução, a modernização dos currículos de matemática é crucial. Um currículo orientado para o futuro equipa os alunos com as competências necessárias para as áreas pessoal e profissional, sem sobrecarregar alunos e educadores. Este relatório:

apresenta o estado atual do desenho curricular em matemática, identificando desafios e oportunidades de transformação (Capítulo 1);

analisa a evolução dos currículos de matemática ao longo de 25 anos, destacando a integração de competências e identificando as lacunas curriculares (Capítulo 2); 

analisa as conclusões do projeto Futuro da Educação e das Competências 2030 da OCDE (“OECD Future of Education and Skills 2030”), explorando as implicações para o desenvolvimento do currículo de matemática (Capítulo 3);

propõe princípios para o desenho curricular para atender às necessidades do século XXI, enfatizando a integração do pensamento crítico, da resolução de problemas e da literacia digital (Capítulo 4).

O Capítulo 1 discute as necessidades do século XXI que impulsionam a transformação nos currículos de matemática, com base nas descobertas do exercício da OCDE com o  Mapeamento de Conteúdos Curriculares E2030 (“E2030 Curriculum Content Mapping”). Revela como os currículos de matemática do ensino secundário inferior (3º Ciclo do Ensino Básico em Portugal) em vários países integram competências em comparação com outras disciplinas. Competências essenciais como a literacia, o pensamento crítico e a resolução de problemas estão amplamente incorporadas nos currículos de matemática, que são vitais para o desenvolvimento cognitivo e aplicações no mundo real, enquanto outras, como a empatia, a confiança, a responsabilidade e a co-agência, são menos enfatizadas. O Capítulo 1 destaca também os desafios que os governos enfrentam na reforma dos currículos de matemática, incluindo a natureza hierárquica e progressiva da disciplina.

O Capítulo 2 analisa a evolução dos currículos de matemática nos diferentes países ao longo de 25 anos, utilizando os dados do estudo E2030 Análise Curricular Documental em Matemática (“E2030 Mathematics Curriculum Document Analysis” (MCDA)). Destaca o crescente foco no raciocínio matemático e na estatística nos currículos modernos, particularmente nos primeiros oito anos de escolaridade. Os dados exploram a forma como os países estruturam e distribuem o conteúdo entre os anos de escolaridade, com alguns sistemas de alto desempenho a escolher um currículo focado (menos tópicos para uma aprendizagem mais profunda), enquanto outros adotam currículos mais amplos. O capítulo identifica lacunas entre as orientações curriculares e os manuais escolares, especialmente no que diz respeito ao fomento do pensamento de ordem superior, o que pode prejudicar as intenções políticas.

O Capítulo 3 exemplifica considerações para os currículos de matemática com base em cinco relatórios temáticos sobre análises curriculares do projeto Futuro da Educação e Competências (“Future of Education and Skills”) 2030 da OCDE, explorando:

O que os alunos aprendem é importante - em direção a um currículo do século XXI: enfatizando as competências orientadas para o futuro, como o pensamento crítico, a criatividade e a agência dos alunos em matemática, para além do potencial dos currículos digitais para uma aprendizagem personalizada.

Sobrecarga curricular - um caminho a seguir: abordar a sobrecarga curricular através de princípios de foco, rigor e coerência, garantindo que os alunos não são sobrecarregados e, ao mesmo tempo, reforçar conceitos matemáticos chave.

Adaptar o currículo para preencher lacunas de equidade: explorar pedagogias inclusivas para apoiar alunos com dificuldades em matemática, promovendo métodos de ensino que aumentem o envolvimento.

Incorporar valores e atitudes no currículo: destacar o papel de valores como o respeito, a colaboração e a persistência na redução da ansiedade matemática e na promoção de uma mentalidade de crescimento.

Flexibilidade e autonomia curricular: examinar como as pedagogias podem ser adaptadas às diversas necessidades dos alunos, garantindo que a instrução se mantém flexível e responsiva.

O Capítulo 4 conclui com 12 princípios para redesenhar os currículos de matemática para ajudar os decisores políticos e os responsáveis pelo desenho do currículo a satisfazer as exigências sociais e tecnológicas emergentes. Destaca estratégias para equilibrar a profundidade e o rigor do conteúdo sem sobrecarregar os alunos e os educadores, fornecendo recursos para o desenvolvimento profissional dos professores e métodos para atender à diversidade dos alunos. Aborda também a importância de alinhar as avaliações nacionais com os currículos reformulados para garantir que a avaliação reflete tanto o desempenho no conteúdo como nas novas competências.

Mensagens-chave

A matemática é essencial para a inovação tecnológica, o crescimento económico e a coesão social. É essencial em áreas como a ciência de dados e a inteligência artificial para desenvolver algoritmos, estatísticas e reconhecimento de padrões. Além disso, o currículo moderno de matemática está a enfatizar cada vez mais a estatística, a literacia de dados e a literacia digital, refletindo a sua importância nas nossas sociedades tecnologicamente ricas e orientadas por dados.

A modernização dos currículos de matemática é fundamental para preparar os alunos para um futuro dinâmico, equilibrando uma forte compreensão dos fundamentos com a introdução de novas competências, como a literacia de dados e o pensamento computacional.

A matemática, muitas vezes considerada uma disciplina "difícil de mudar", está a sofrer uma transformação. Para além das áreas de conteúdos tradicionais, como a quantidade/operações, a geometria, e a medição, desenvolver o raciocínio matemático dos alunos tornou-se um objetivo fundamental para muitos sistemas educativos.

A ênfase nos fundamentos cognitivos e metacognitivos essenciais — como a numeracia, a resolução de problemas, o pensamento crítico e a literacia — é evidente nos currículos do ensino secundário inferior (3º ciclo do Ensino Básico em Portugal), com um foco notável nos dados e na literacia digital, refletindo a importância de ajudar os alunos a navegar num ambiente tecnologicamente rico.

Algumas das chamadas competências do século XXI – por exemplo empatia, confiança, responsabilidade e co-agência - são frequentemente menos enfatizadas nos currículos de matemática do ensino secundário inferior (3º ciclo do Ensino Básico em Portugal) e mais integradas nos currículos de humanidades, língua nacional e educação física.

As escolhas das estruturas do currículo diferem entre os sistemas educativos: alguns países e jurisdições de alto desempenho concentram-se em menos tópicos para permitir uma aprendizagem mais profunda, enquanto outros adotam um currículo mais amplo, deixando espaço para uma maior autonomia dos professores.

O desenho da estrutura do curriculo deve garantir que a matemática se mantém focada, desafiante e alinhada com as aplicações no mundo real para satisfazer as exigências em evolução da força de trabalho e da sociedade.

A reforma curricular em matemática exige o alinhamento entre os currículos elaborados, os implementados e os alcançados. As divergências entre as intenções das política e a sua implementação na sala de aula — como as disparidades entre os objetivos curriculares e o conteúdo dos manuais escolares — devem ser abordadas para garantir uma reforma eficaz.+

Um desenho curricular holístico deve integrar as ferramentas digitais, os temas interdisciplinares e a agência dos alunos, equipando os alunos com as competências para navegar num mundo em rápida mudança.

O currículo, a pedagogia, o ambiente de aprendizagem, a formação de professores e a avaliação são essenciais para promover a equidade, garantindo que todos os alunos, incluindo os que têm dificuldades em matemática, têm oportunidades de se envolver significativamente com conceitos matemáticos, em particular, abordando a ansiedade matemática, cultivando a persistência e uma mentalidade exploratória e fomentando a confiança e a resiliência. A integração dos princípios do Design Universal para a Aprendizagem (Universal Design for Learning (UDL)) no currículo de matemática apoia este objetivo ao fornecer formas variadas e flexíveis para os alunos acederem, interagirem e demonstrarem a sua compreensão das ideias matemáticas. Equilibrar a profundidade do conteúdo com preocupação com a sobrecarga é um desafio significativo para os decisores políticos, que desejam garantir que os alunos compreendem completamente os conceitos matemáticos essenciais sem se sentirem sobrecarregados.

Os recursos são essenciais para o sucesso da reforma curricular: os professores precisam de formação profissional contínua, de recursos selecionados e de ferramentas apropriadas para oferecer uma educação matemática de elevada qualidade.

As avaliações, e os exames nacionais em particular, devem estar alinhados com os objetivos curriculares orientados para o futuro, garantindo que os exames não refletem apenas o domínio do conteúdo, mas também as competências emergentes necessárias para o sucesso no século XXI.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Sobre os erros em programação

Quando se inclui a programação nas aulas, os erros são muitíssimo frequentes.

Quando não se é profissional de programação, é fácil ficar-se frustrado com uma das situações mais frequentes: surge um erro. Como nos sentimos quando a máquina diz que encontra um erro?

Uma perspectiva profissional pode ajudar-nos:


P.S. 1: Os profissionais também erram muito; apenas os erros são diferentes.

P.S. 2: A dimensão da depuração (debug) do Pensamento Computacional incorpora esta atitude natural, descontraída e ativa perante o erro.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Que matemática para a universidade nos EUA?

Um tweet recente dava conta de uma alteração no site de Harvard, no texto sobre as condições de admissão, em termos de disciplinas do secundário. A questão parece ser a perda de importância das disciplinas de Ciência de Dados de nível secundário, que muitos chegaram a ver como alternativas melhores do que outras disciplinas matemáticas do secundário (como Cálculo e Álgebra II). 

Ora esta aparente alteração está na linha de um abaixo assinado de académicos de universidades e colleges de 4 anos da Califórnia, sobre os pré requisitos de matemática para estudos universitários em áreas quantitativas e STEM, incluindo Ciência de Dados. Os subscritores realçam a importância do conteúdo de Álgebra II (páginas 77 a 84 deste documento; para mais desenvolvimentos pode ver-se este documento).

Também uma revisão recente do California Mathematical Framework levou a uma intervenção de três matemáticos, dois deles do departamento de matemática de Stanford. Está disponível um texto destes três matemáticos que, segundo eles, incorpora também a opinião de outros colegas de Stanford.

De uma primeira leitura dos textos dos docentes da Califórnia e dos docentes de Stanford fica a impressão de que as Novas Aprendizagens Essenciais de Matemática para o Ensino Secundário estão alinhadas com o que algumas das melhores universidades dos EUA esperam da preparação matemática dos alunos que se candidatam a cursos em áreas científicas e quantitativas.

Controvérsias Eleitorais

As eleições para a Assembleia da República e para a Presidência da República são fundamentais para a vida democrática em Portugal. São igua...