terça-feira, 18 de novembro de 2025

Controvérsias Eleitorais

As eleições para a Assembleia da República e para a Presidência da República são fundamentais para a vida democrática em Portugal. São igualmente importantes as eleições autárquicas e as eleições para todo o tipo de associações. O regime político democrático instituído a partir de 25 de abril de 1974 permite que os cidadãos definam qual o método eleitoral que pretendem usar em cada caso.


Há muitas controvérsias associadas às eleições em Portugal, não porque haja fraudes, mas porque há pessoas que defendem que sejam feitas de outro modo. Por exemplo, o partido Iniciativa Liberal defendeu em outubro de 2023 que nas eleições para a Assembleia da República deveria haver um “círculo de compensação de 40 deputados”, ou seja, apenas 230-40=190 deputados seriam eleitos pelo método atual e os 40 deputados restantes seriam eleitos a partir dos votos que não tinham ainda sido traduzidos em deputados. Que diferença faz isso? Se este método “misto” tivesse sido aplicado nas eleições de 2022, os partidos CDS e RIR teriam eleito deputados.

Atualmente nas eleições para a Assembleia da República é usado o método proporcional de D’Hondt, assim como noutros países, mas outros usam o método de Sainte Lague que é mais fiel a uma proporcionalidade matemática absoluta mas não facilita maiorias absolutas. Outros defendem o método dos círculos uninominais (um círculo elege um só deputado) mas aí a proporcionalidade é fraca. 

O desenho dos círculos eleitorais está sujeito também a controvérsia pois os dados estatísticos de sondagens e eleições anteriores indicam uma tendência de votação e os maiores partidos têm tendência em “recortar” os círculos de modo favorável às suas pretensões. Esta é uma das razões para em Portugal os círculos eleitorais corresponderem aos velhinhos distritos, pois qualquer alteração dificilmente seria consensual.

Qual o melhor método eleitoral democrático? O matemático Kenneth Arrow recebeu em 1972 o Prémio Nobel da Economia por ter provado, sob certa condições ditas “democráticas”, não existir um sistema eleitoral que permita obter a “melhor” opção que traduza a vontade dos votantes. 

Kenneth Arrow (1921-2017)

O que a Matemática faz é analisar todas as opções possíveis, e para cada situação concreta,os responsáveis escolherão a que parecer mais adequada. Por exemplo, nas eleições para a Assembleia da República, o método de D’Hondt fornece uma proporcionalidade mitigada que favorece a constituição de coligações maioritárias. Já o método de Sainte Laguë seria preferível nas eleições para o Parlamento Europeu pois a sua mais fiel proporcionalidade iria permitir alargar o leque de opiniões que vão ser refletidas no Parlamento Europeu que não tem de eleger um Governo.

Estas são algumas considerações que qualquer cidadão deveria poder fazer se conhecesse minimamente os modelos matemáticos que caracterizam diferentes eleições. A partir de setembro de 2024 quase todos os estudantes do ensino secundário em Portugal vão poder estudar alguns Modelos Matemáticos para a Cidadania que incluem alguns Modelos Matemáticos nas Eleições. Os novos programas de Matemática A, Matemática B e do Ensino Profissional (tal como já antes MACS-Matemática Aplicada às Ciências Sociais) incluem um tal capítulo no seu início onde, em particular, os alunos devem ficar a “perceber que existem modelos matemáticos que permitem criar procedimentos para transformar as preferências individuais numa decisão coletiva”. Estes novos programas indicam que se estude na sala de aula “o reconhecimento da necessidade da matemática para definir métodos eleitorais” e “a clarificação da importância da participação de cada cidadão na eleição dos seus representantes (delegado de turma, associação de estudantes, estruturas sindicais e poderes políticos)”. E também “a análise de situações que evidenciem claramente o facto de métodos eleitorais diferentes gerarem escolhas diferentes para a mesma votação”.

Os novos programas preconizam o “reconhecimento do Ensino Secundário como um ciclo que é parte integrante da formação geral dos jovens (...) em que todas as disciplinas, incluindo a Matemática, devem contribuir para o desenvolvimento dos alunos enquanto cidadãos ativos, conscientes, informados e interventivos.”

Não há cidadãos plenamente conscientes e interventivos sem dominar de forma segura os conhecimentos básicos, onde se incluem hoje os modelos matemáticos dos fenómenos naturais e sociais.

(publicado na revista "a página da educação", nº 223, 2024)


segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Maldita Matemática!

 

O escritor russo Arkady Averchenko (1881-1925) escreveu um delicioso conto humorístico com este título, onde o jovem Semen Pantalikin se enfureceu com a Matemática ao não saber resolver o problema do teste decisivo apresentado pelo “pobre professor de Matemática, completamente desprovido de imaginação” pois isso implicou reprovação na disciplina: “Estou perdido! O meu pai dar-me-á uma sova em vez da espingarda prometida. Maldita Matemática!” E o que impediu o jovem Pantilikin de resolver o problema de Matemática? “O problema era demasiado abstracto para ele, que preferia as imagens concretas”. O problema começava com “Dois lavradores saíram do povoado A em direcção ao povoado B; o primeiro anda 4 quilómetros por hora e o segundo 5” enquanto o jovem Pantilikin pensava “Que é isto de lavradores primeiro e segundo? Por que não haveriam de dar-lhes nomes humanos? Chamarem-lhes por exemplo, João e Basílio talvez tivesse sido prosaico em excesso; mas por que os não baptizaram com nomes romanescos como Guilherme e Rodolfo?” Então o jovem reescreveu primeiro o problema de uma forma que se entendesse: “Antes de o sol dourar as copas dos gigantescos ‘baobabs’, de os pássaros das regiões tropicais despertarem nos seus ninhos, de os cisnes negros saírem dos enormes matagais de bambus australianos, Guilherme Bloker, o célebre bandido, terror de todo o país, pôs-se a caminho…”

Claro que com tanto romance, no fim não teve tempo sequer de reescrever completamente o problema, quanto mais de o resolver! Reprovado!

 


A história do jovem Pantilikin talvez seja mais emocionante que a de muitos jovens portugueses, mas o resultado acaba por ser o mesmo. Porquê? Já fiz parte de uma comissão que produziu um relatório intitulado “Diagnóstico e Propostas para a Matemática Escolar” que foi editado pelo Ministério da Educação, mas nenhuma medida chegou a ser implementada, por razões que nunca consegui descortinar. Recentemente uma muito mediática comissão denominada “Comissão para a Promoção do Estudo da Matemática e das Ciências” elaborou um relatório que nunca chegou a ser publicado, mas cujas recomendações circularam na internet; nenhuma recomendação foi implementada. Porquê? Haverá uma maldição (certamente ancestral) associada à disciplina de Matemática?

 

Em Portugal (e noutros países) os responsáveis caem muitas vezes na tentação de diminuir o lugar da Matemática nos currículos (“se não há Matemática não há insucesso”); raciocínio primitivo que leva a que, por exemplo, depois da recente reforma do ensino secundário, uma fracção significativa de futuros professores do 1º ciclo terminem a sua formação matemática no 9º ano (não necessariamente com nota positiva); depois pretende-se que os professores do 1º ciclo ensinem mais Matemática? E que professor pode ensinar aquilo de que não gosta (e necessariamente não entende)?

 

Antes de tentar perceber porque se revela a Matemática tão difícil, deveremos indagar se é ou não importante saber Matemática para além dos temas mais elementares abordados no Ensino Básico. Hoje em dia um cidadão é confrontado com gráficos de muitos tipos, com a necessidade de gerir rendimentos, impostos e empréstimos, com um sistema eleitoral que não sabe se deve ser alterado, com sondagens frequentemente contraditórias, com previsões sobre a evolução de epidemias ou do aquecimento global, etc, etc, etc. Não é possível que a Matemática de um Ensino Básico de 9 anos prepare um cidadão para a vida de hoje. E se a tudo isso adicionarmos a formação que prepare para o bom exercício de alguma profissão…

 

Temos então de concluir que a Matemática no ensino secundário precisa de ser estudada por todos (não necessariamente a mesma) e bastante para além do mínimo indispensável a um cidadão do século XXI. Sendo assim é preciso investir decididamente para ultrapassar as dificuldades do ensino secundário da Matemática. De forma coerente e sistemática, como infelizmente não tem acontecido em Portugal, nem nos últimos tempos nem em tempos mais recuados!

 

(texto publicado na revista "a página da educação", nº 143, Ano 14, Março 2005

O futuro da educação na Europa

 

A Comissão Europeia (CE) divulgou no passado dia 5 de março um Plano de Ação para as Competências Básicas (Action Plan on Basic Skills), que pretende desenvolver nos próximos anos, para responder ao problema de um em cada três jovens de 15 anos terem dificuldade em compreender e aplicar a matemática em situações da vida real e um em cada quatro não conseguirem compreender textos básicos nem aplicar conhecimentos científicos simples.

 

EC

Este Plano de Ação foi desenvolvido porque a CE constatou que uma competitividade forte e uma coesão social europeias eficazes pressupõem competências básicas sólidas. Estas estão na base de outras competências como a criatividade e o pensamento crítico, sendo essenciais para a melhoria das competências adquiridas assim como para os jovens se tornarem cidadãos ativos, informados e capazes de se atualizar em permanência.

 

A CE constatou que em muitos países da União Europeia há um nível de competências de literacia de Leitura, de Matemática e de Ciências, muito inferior a países como o Canadá, o Japão, o Reino Unido e os Estados Unidos da América. Constata que tal diferença se manifesta desde os jovens de 15 anos até aos adultos ativos, afetando todos os níveis de ensino incluindo o Ensino Profissional e a Educação de Adultos.

 

O Plano de Ação inclui a definição de um conjunto de cinco competências básicas (Basic Skills Set): Literacia de Leitura, com um desenvolvimento da capacidade linguística desde cedo para garantir uma boa capacidade de leitura; Literacia Matemática, para garantir que os cidadãos são capazes de tomar decisões baseadas em dados, incluindo na área financeira, desenvolvendo a capacidade de resolução de problemas e de pensamento crítico, o que é cada vez mais necessário num mundo com maior presença de tecnologia; Literacia Científica para desenvolver a capacidade de se envolver com questões e ideias relacionadas com a ciência como um indivíduo reflexivo; Literacia Digital para um envolvimento confiante, crítico e responsável com as tecnologias digitais para aprender, trabalhar e participar na sociedade; Competências de Cidadania e Conhecimento Cívico que são essenciais para promover a participação ativa nas sociedades democráticas, onde os rápidos avanços tecnológicos, juntamente com a crescente disseminação de desinformação, tornam o desenvolvimento de competências de cidadania numa fase precoce mais crucial do que nunca.

 

Na sua análise a CE realça que a origem socioeconómica continua a ser o indicador mais forte do desempenho dos alunos em termos de competências básicas pelo que são necessários esforços adicionais para promover a equidade e o bem-estar, mantendo a repetência no mínimo, atrasando a diversificação curricular e limitando a divisão em grupos de competências. A CE também reconhece que há falta de professores, em particular em Matemática, Ciências e Tecnologias, que o envolvimento dos pais na educação tem sido cada vez menor e que a distração digital é um desafio sério ao desempenho académico.

 

A análise da CE inclui a discussão de muitos fatores, que não vamos detalhar aqui, que afetam o sistema educativo, pelo que as soluções apresentadas têm um cariz mais sólido em termos de impacto futuro. A CE lança um Esquema de Apoio às Competências Básicas, de modo que todos os jovens possam atingir um nível adequado de competências básicas no final da escolaridade obrigatória. Este Esquema inclui várias componentes de que destaco a existência de tempo suplementar de aprendizagem e apoio personalizado aos alunos, com programas de tutoria e mentoria. A fase piloto deste Esquema começará em 2026.

 

Outra componente do Plano de Ação da CE inclui apoio aos Educadores por os Educadores e Dirigentes Escolares de todos os níveis de ensino serem essenciais para se conseguirem melhorar as competências básicas. A CE considera que se deve tornar o ensino mais atrativo e se deve combater a escassez aguda de professores. Para isso a CE pretende lançar uma Agenda de Professores e Formadores da UE em 2026. Esta Agenda incidirá na melhoria das condições de trabalho, de formação e das perspetivas de carreira dos educadores, incluindo toda a educação desde o acolhimento na primeira infância. O objetivo é também o de combater a baixa atratividade e sustentabilidade das carreiras, o que conduziu à escassez de professores de Matemática, Ciências e Tecnologias.

 

No documento da CE são avançadas muitas outras medidas que incluem a melhoria da cooperação europeia na área da educação, reforçando o programa Erasmus+ com uma nova comunidade de prática de formadores de professores no âmbito da já existente “Plataforma Europeia de EducaçãoEscolar”.

 

No documento que tenho vindo a referir a CE convida o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e os parceiros sociais a endossarem o Plano de Ação e a apoiarem e contribuírem ativamente para a concretização das suas iniciativas. Se todas as entidades trabalharem em conjunto e envolverem os Ministérios da Educação e outros parceiros em cada país, estou certo que a Educação na Europa melhorará substancialmente.

 

Publicado na revista "a página da educação", nº 225, pg. 86) 

Controvérsias Eleitorais

As eleições para a Assembleia da República e para a Presidência da República são fundamentais para a vida democrática em Portugal. São igua...