sexta-feira, 4 de maio de 2018

A história repete-se?


Estive a vasculhar os documentos das discussões sobre os programas de Matemática do Ensino Secundário de 1995 (e são muitos!) e encontrei bastantes coisas muito curiosas (apenas com uma visita muito rápida!). Essa foi uma discussão pública extremamente participada e penso que deu alguns frutos interessantes que não devem ser esquecidos. Relembro a criação da "Comissão de Acompanhamento do Programa de Matemática" que funcionou durante bastantes anos e a criação de um processo de Acompanhamento (estudado em pelo menos duas teses de Mestrado) coordenado oficialmente pelo Departamento do Ensino Secundário (primeiro sob a direção de Matias Alves e mais tarde de Domingos Fernandes) cuja página não oficial só se pode encontrar hoje no Arquivo Português da Internet.

Revendo alguns desses documentos fiquei um pouco "chocado" ao (re)encontrar discussões recorrentes e, parece, sem solução óbvia à vista. Uma delas tem a ver com a famosa "extensão" dos programas, seja do Ensino Básico, seja do Ensino Secundário. Os próprios autores dos programas de então reconheceram que os programas não eram cumpridos na carga horária então existente e pediram publicamente o aumento da carga horária da disciplina (ver, por exemplo: Experimentadores propôem 5+5+5 horas para a Matemática do Secundário, Lucília Ramalheira e Iolanda Vasconcelos Lima, Boletim da SPM, nº 28, 1994).

Como resolver o problema da (im)possibilidade da generalidade dos professores de lecionarem, mesmo de forma apressada ou resumida (ou "essencializada") o programa oficial, dentro do quadro legislativo vigente?

Com a generalização em 1993/1994 dos novos programas, elaborados e experimentados no âmbito da Reforma do Sistema Educativo lançada pelo então Ministro da Educação Roberto Carneiro, os professores de Matemática começaram a queixar-se da impossibilidade de lecionar um programa tão extenso (com uma carga horária que tinha sido de 5+5+5 nas turmas experimentais...) em 4+4+4 horas por semana. Então a Ministra da Educação, em 1994, Manuela Ferreira Leite, emitiu um despacho a ordenar que o programa fosse cumprido recorrendo a "aulas suplementares" para o "cumprimentos integral dos objectivos e conteúdos" definidos nos programas oficiais.



Tal despacho gerou reações iradas de muitas escolas e dessas reações recebeu em 1995 a Equipa Técnica cópias de algumas para tentar perceber melhor o sentimento e realidade dos professores no terreno. Transcrevo aqui um exemplo.

 
Um dos problemas recorrentes é efetivamente a discrepância entre os desejos dos decisores e a realidade das escolas no terreno. Não estou a tomar partido, dizendo que de um lado está a razão e do outro o erro, mas que há uma enorme discrepância entre Ministério e Escolas é indesmentível. Esta escola em paticular exige "cortes" nos programas e a definição dos programas oficiais exigíveis em provas globais, provas de aferição e provas específicas (as provas existentes na época). É evidente que não existirem regras bem definidas dos objetivos e âmbito das provas nacionais (problema também recorrente) como se pode esperar que o sistema funcione bem? Como é que os atores (professores, pais e alunos) podem saber o que fazer se não conhecem bem todas as regras que regerão os diferentes aspetos do seu percurso escolar?

Deve haver margem de manobra para apoiar os alunos com dificuldades (ou incentivar os alunos distintos) mas, como diz esta escola, não se pode "aumentar a carga horária de todos os alunos (...) a meio do ano".

Penso que o sistema pode funcionar de forma coerente, se as diferentes "peças" encaixarem devidamente, se as orientações forem realistas, testadas, comparadas com outras situações, outras épocas e outros países, se o sistema educativo for suficientemente flexível e responsabilizador. Então não haverá problenas de maior.

Mas para chegar a tal ponto é preciso gizar orientações que recebam apoio de uma grande maioria de parceiros do sistema educativo.



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