Está a correr uma petição a pedir a anulação do exame de Matemática A do 12º ano que cita uma afirmação minha de outubro de 2017 (corretamente) relatada pelo jornal "Público":
Esta afirmação foi proferida numa sessão sobre exames promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e o diretor do IAVE, Helder de Sousa, aí presente, reagiu imediatamente negando o interesse de tal prova. E em comunicado oficial do IAVE, designado por "Esclarecimentos adicionais à Informação-Prova de Matemática A (635) de 2018" (sem data) afirma-se que:"É um escândalo que o novo exame de Matemática A se realize sem que antes seja elaborada uma prova modelo"
"a ausência de provas modelo é colmatada com a existência de um vasto histórico de itens, disponíveis para consulta em http://bi.iave.pt/exames/"Ora este argumento é claramente falacioso pois o "vasto histórico de itens" é relativo ao programa de Matemática A de 2001/2002 e não relativo ao programa de Matemática A de 2014: Neste caso o conjunto de itens possíveis reduz-se a apenas 6 que sairam no documento do IAVE designado por "INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR" (também sem data). A questão da equidade é muito referida nos documentos do IAVE mas neste caso é ignorada pois os alunos do programa de 2001/2002 podem aceder a um "vasto" conjunto de itens enquanto que os do programa de 2014 apenas a seis (alguns dos itens anteriores também poderiam ser relevantes mas os alunos teriam de andar a "catar" quais se aplicariam ao seu programa, sendo que a resposta aos itens até poderia diferir conforme o programa considerado).
Neste contexto impunha-se claramente a existência de uma prova modelo mas a sociedade civil não foi suficentemente insistente (e até alguns comentadores apelidaram tal pedido de "facilitismo") e o IAVE (ou o seu Conselho Científico de que não mais se ouviu falar - será que o Conselho Científico do IAVE discutiu tal opção ou fez até um parecer sobre ela?) manteve a sua posição de não elaborar provas modelo.
Não consigo perceber porque escreve o IAVE que
"Não é um novo enquadramento curricular que justifica uma prova modelo, quando sabemos que as provas de exame de Matemática A de 2018 irão apresentar os mesmos tipos e formatos de itens de anos anteriores, sobejamente conhecidos e divulgados na página eletrónica do IAVE."Muda o programa (e muda muito!) mas o exame fica o mesmo? Estranha conceção de avaliação.
É esta também uma estranha conceção de equidade. Será por isso que o endereço anunciado pelo IAVE http://bi.iave.pt/exames/" deixou de funcionar e que na página designada por "Histórico de Provas" apenas aparecem as provas dos últimos dois anos? Curiosamente as provas modelo pululam na internet feitas por pessoas cheias de boa vontade mas que se limitam a tentar adivinhar o que está nas intenções do IAVE criando uma confusão pouco saudável.
Início do 2º caderno da prova de exame de Matemática A onde os alunos tinham de saber se o seu programa teria sido homologado em 2001 e 2002 ou 2015. |
Mas o que é a equidade afinal? Já em 2006, escrevi um artigo sobre tal tema na Página da Educação a propósito de mais uma discussão, recorrente, da separação das provas do Ensino Secundário das regras de acesso ao Ensino Superior. Todos devem ter oportunidades equivalentes de se preparar para o exame e
portanto de provar que são capazes de superar as provas de exame e
assim mostrar o seu mérito (pelo menos no momento do exame).
Estariam todos os alunos em igualdade de circunstâncias? Em função do que já foi dito, não me parece. Uma prova modelo reequilibraria de algum modo a situação. Já em tempos o GAVE produziu, e bem, provas modelo. No ano do primeiro exame nacional de MACS, em função da inação do então GAVE não produzindo uma única prova modelo, articulei-me com os restantes autores da disciplina e produzimos três provas-modelo que foram colocadas à disposição dos professores da disciplina. Seria bom não haver provas modelo, isso seria sinal de que a situação estava estabilizada e o sistema entendia perfeitamente o que se esperava dele (o que aconteceu durante alguns anos). Mas nos últimos anos as alterações têm sido tantas que não podemos considerar o sistema educativo português estabilizado (não esquecer que em anos recentes os exames do 12º ano de Matemática foram já alterados outras duas vezes para incluir primeiro o programa do 11º ano e depois os programas do 10º e 11º anos).
Noutros países são comuns as provas modelo e os repositórios de exames de anos anteriores. Por exemplo na República da Irlanda, tendo havido a introdução de alterações programáticas e sendo por isso o exame novo em 2017, foi anunciado que:
"The State Examinations Commission has prepared sample examination papers which can be downloaded below. One ordinary level sample paper and two higher level sample papers have been developed – these provide a guide to the structure and content of the assessment in accordance with the specification. Printed copies of the sample papers have been issued to all second-level schools."
Note-se que as provas modelo foram enviadas em papel a todas as escolas. Procedimentos idênticos acontecem também para outros tipos de exames para certificações profissionais e outros fins. Por exemplo, nos exames para contabilistas da associação internacional ACCA são fornecidas provas modelo e explica-se com que finalidade: "Specimen exams will help you
understand how the exam will be assessed, structured and the likely
style and range of questions that could be asked." (ACCA-Association of Chartered Certified Accountants).
Claro que os autores da petição referida no início tentam resolver o problema criado pela não existência de provas modelo para um exame novo cuja "cara" os alunos nunca tinham sequer visto. Mas a proposta feita não resolve o problema pois acaba por criar um novo, o de prejudicar os alunos que conseguiram um bom desempenho neste exame.
Para mim, para garantir que fatores externos ao exame, e que por isso não deveriam influenciar o desempenho dos alunos, perturbem o processo dos exames, entendo que a melhor solução é permitir que os alunos se apresentem a ambas as fases/épocas de exame e que seja considerada a melhor das duas notas para efeito tanto de conclusão do Ensino Secundário como de acesso ao Ensino Superior.
E esta minha ideia é válida tanto na situação atual como noutra qualquer e deveria ser a regra em Portugal. Na Finlândia os alunos podem apresentar-se a três épocas de exame e ficam com a melhor das classificações obtidas.
Nota final (tragicómica): O programa de Matemática A das Metas Curriculares foi homologado em 2014 e não em 2015 como aparece na prova de exame (Despacho n.º 868-B/2014 de 18 de janeiro de 2014 assinado pelo Ministro da Educação e Ciência, Nuno Paulo de Sousa Arrobas Crato)
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