quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Necessidades futuras relativas a educação matemática


No futuro, será necessário estudar mais ou menos matemática? E que tipo de matemática? A trilogia clássica Algebra-Geometria-Análise? Ou outros temas serão necessários? O Grupo de Trabalho de Matemática debruçou-se sobre esta questão, a partir de vários relatórios internacionais.

O Grupo de Trabalho de Matemática foi constituído em 2018 pelo Despacho n.º 12530/2018, de 28 de dezembro para "proceder à análise do fenómeno do insucesso, tendo em vista a elaboração de um conjunto de recomendações sobre a disciplina de Matemática - ensino, aprendizagem e avaliação."

Aqui é reproduzido o parágrafo 9.3.3 do capítulo 9 (p. 254-259) do documento Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática (1.ª versão - 30 de junho de 2019), elaborado pelo Grupo de Trabalho de Matemática, que está em discussão pública até 12 de outubro, sendo que os comentários e sugestões devem ser enviados para a Direção Geral da Educação para o endereço dsdc@dge.mec.pt.

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Várias instituições a nível mundial têm desenvolvido estudos no sentido de antecipar as necessidades futuras de diferentes capacidades e competências para o mercado de trabalho. Considerámos aqui vários estudos, a saber: OCDE; Bill & Melinda Gates Foundation (BMGF), associada à Chan Zuckerberg Initiative; Institute For the Future (IFTF); World Economic Forum (WEF); e McKinsey Global Institute (MGI).
O diretor do serviço de Educação e Competências[1] da OCDE, Andreas Schleicher, assinala que, relativamente às necessidades dos futuros profissionais para o ano 2030, “Encaramos desafios sem precedentes – sociais, económicos e ambientais – suscitados pela rápida globalização e por uma taxa acelerada de desenvolvimentos tecnológicos” (OECD, 2018, p. 2).

Ao prospetar a educação para 2030, a OCDE pretende dar resposta a duas questões de grande alcance:
·     De que conhecimentos, capacidades, atitudes e valores precisarão os alunos atuais para prosperarem e moldarem o seu mundo?
·     Como podem os sistemas educativos desenvolver estes conhecimentos, capacidades, atitudes e valores de forma eficaz? (OECD, 2018, p. 2)

O IFTF coloca questões semelhantes:
A conectividade global, as máquinas inteligentes, e os novos meios de comunicação, são alguns dos fatores que estão a mudar a nossa perceção sobre o trabalho, e as competências exigíveis para se ser eficaz no futuro. (Davies, Fidler & Gorbis, 2011, p. 1)


O objetivo principal do IFTF é analisar quais são as competências que devem ser consideradas fundamentais para o mercado de trabalho[2] que serão importantes nos próximos dez anos. O relatório MGI (2018) divide as necessidades do mercado de trabalho em cinco classes de capacidades: Físicas e manuais; Cognitivas básicas; Cognitivas superiores; Sociais e emocionais; e Tecnológicas. Para as duas primeiras classes, prevê que no futuro haja uma menor procura de trabalhadores com estas caraterísticas, enquanto para as três restantes prevê um aumento.
A BMGF tem tentado nos últimos anos obter respostas para os três desafios seguintes, dizendo o segundo explicitamente respeito à Matemática:
·     [Como] preparar os alunos que terminam o ensino secundário para uma escrita não-ficcional, tão necessária no   e no mundo do trabalho, desenvolvendo hábitos, competências e estratégias adequadas?
·     [Como] preparar todos os alunos para a compreensão e aplicação de competências e conhecimentos matemáticos, bem como para o desenvolvimento de atitudes adequadas?
·     [Como] melhorar as capacidades de todos os alunos para que pensem de forma flexível, saibam trabalhar com ideias variadas, e regulem o seu pensamento e ações? (BMGF, 2019, p. 8)

A BMGF, considerando que existem graves problemas com os três desafios que identificou, solicitou a colaboração de diversas instituições e especialistas de todo o mundo, alegando que:
O bom desempenho nestas três áreas é importante para o sucesso do estudante na escola, no trabalho e ao longo da sua vida. E os estudantes que encaram traumas de infância, pobreza, sem abrigo, desafios de aprendizagens particulares, ou estão em escolas com financiamento insuficiente podem estar especialmente em risco de não desenvolver estas competências essenciais. (BMGF, 2019, p. 8)

O relatório do WEF (2018) perspetivando as capacidades que um trabalhador deve possuir no futuro, aponta como fundamentais as seguintes: “Pensamento analítico e inovação; Aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem; Criatividade, originalidade e iniciativa; Design e programação de tecnologia; Pensamento crítico e análise; Resolução de problemas complexos; Liderança e influência social; Inteligência emocional; Raciocínio, resolução de problemas e ideação; e Análise e avaliação de sistemas” (WEF, 2018, p. 12).
E em acelerado declínio, embora algumas delas sejam estruturalmente importantes,
Destreza manual, resistência e precisão; Capacidades de memória, verbais, auditivas e espaciais; Gestão de recursos financeiros e materiais; Instalação e manutenção de tecnologia; Ler, Escrever, Contar e Audição atenta; Gestão de pessoal; Controle de qualidade e consciencialização sobre segurança; Coordenação e gestão de tempo; Capacidades visuais, auditivas e de fala; Uso, monitorização e controle de tecnologia. (WEF, 2018, p. 12)

A OCDE (OECD, 2018) refere que os alunos devidamente preparados para o futuro precisam de ser mais interventivos[3], tanto ao nível da sua educação, como ao nível da sua vida particular. Nesse sentido propõe a ideia de coação[4] para exprimir que a aprendizagem deve ser feita num ambiente alargado onde se tem que considerar a interação com o ambiente onde se insere, não só os professores, mas também os seus pares, as famílias e as comunidades. E nesta perspetiva todos estão a aprender, alunos, professores, dirigentes escolares, pais e comunidades em geral (OECD, 2018).
Considera-se igualmente importante o conceito de competência que “(…) implica mais do que apenas a aquisição de conhecimento e capacidades; envolve a mobilização de conhecimentos, capacidades, atitudes e valores para ir ao encontro de exigências complexas” (OECD, 2018, p. 5). Esta perspetiva, que se assume como sendo exigente e formadora, enfrenta cinco desafios identificados pela OCDE:
1.   Confrontadas com as necessidades e pedidos de pais, universidades e empregadores, as escolas estão a enfrentar uma sobrecarga curricular[5]. Como resultado, os estudantes têm frequentemente falta de tempo suficiente para dominar conceitos-chave das disciplinas ou para ter uma vida equilibrada, para alimentar amizades, dormir e fazer exercício. É tempo de mudar o foco dos nossos estudantes de “mais horas para aprendizagem” para “tempo de aprendizagem de qualidade”.
2.   As reformas curriculares sofrem de tempos diferidos entre reconhecimento, tomada de decisões, implementação e impacto. O espaço entre as intenções do currículo e os resultados de aprendizagem é geralmente demasiado grande.
3.   O conteúdo deve ser de alta qualidade para os estudantes se poderem empenhar na aprendizagem e adquirir uma compreensão profunda.
4.   O currículo deve assegurar a equidade ao mesmo tempo que inova; todos os estudantes, não apenas alguns, devem beneficiar das mudanças sociais, económicas e tecnológicas.
5.   Um planeamento e estrutura perspetivados com cuidado são igualmente importantes para uma implementação eficaz das reformas. (OECD, 2018, p. 6)

Para conseguir responder de forma satisfatória a estes desafios, a OCDE avança com uma série de princípios para a elaboração de um currículo, dos quais se destacam os seguintes:
FOCO: Um número relativamente pequeno de tópicos deve ser introduzido em cada nível para assegurar a profundidade e a qualidade da aprendizagem dos estudantes.
ESTRUTURA: O currículo deve estar bem estruturado e de acordo com as práticas de ensino e avaliação.
ESCOLHA: Aos alunos deve ser oferecido um conjunto alargado de tópicos e projetos opcionais.
AUTENTICIDADE: Os estudantes devem ser capazes de relacionar as suas experiências de aprendizagem com o mundo real e ter um sentido da finalidade da sua aprendizagem. Isto requer interdisciplinaridade e aprendizagem colaborativa alinhadas com o domínio do conhecimento disciplinar.
EMPENHAMENTO: Professores, alunos e outros parceiros relevantes devem ser envolvidos desde muito cedo no desenvolvimento do currículo, para assegurar o sentimento de coautoria na implementação. (OECD, 2018, p. 7)

O IFTF inclui entre as competências chave para o mercado de trabalho as seguintes:
PENSAMENTO COMPUTACIONAL: capacidade de traduzir grandes conjuntos de dados em conceitos abstratos e compreender o raciocínio baseado nos dados, estando igualmente ciente das suas limitações, sendo que mesmo os melhores modelos são aproximações da realidade e não a própria realidade. (Davies et al., 2011, p. 10)
TRANSDISCIPLINARIDADE: literacia e capacidade de compreender conceitos através de múltiplas disciplinas; é preciso educar investigadores para que consigam falar a língua de múltiplas disciplinas – biólogos que tenham compreensão da matemática e matemáticos que compreendam a biologia; o trabalhador ideal da próxima geração deve compreender profundamente pelo menos um campo, mas deve ter igualmente a capacidade de conversar na linguagem de um vasto campo de disciplinas. (Davies et al., 2011, p. 11)
A interdisciplinaridade e aprendizagem colaborativa, aliados ao domínio do conhecimento disciplinar, é uma dimensão comum aos dois documentos: OCDE (2018) e IFTF (2011).
A BMGF identificou igualmente alguns constrangimentos importantes:
      Apesar da investigação indicar que em muitos casos o ensino da matemática dá pouca ênfase à construção de competências de resolução de problemas, os trabalhos dos estudantes e as aulas focam-se sobretudo em procedimentos e cálculos rotineiros.
      A resposta que os estudantes recebem relativamente às suas avaliações não os ajuda a emendar os erros e as ferramentas tecnológicas limitam-se muitas vezes a respostas do tipo certo/errado ou de escolha múltipla em que não se consegue perceber o raciocínio dos alunos.
      Frequentemente os estudantes não têm oportunidades suficientes de uma prática matemática autêntica e de discussões à volta de pensamentos matemáticos complexos e por isso as suas conceções erradas não são identificadas e muito menos corrigidas.
      Apesar da matemática estar interrelacionada com a ciência e com muitas outras disciplinas, os estudantes têm poucas oportunidades de integrar conceitos e de estabelecer conexões entre temas.
      Os alunos aprendem os conceitos de forma mais profunda quando são encorajados a falhar e tentar de novo e quando têm oportunidades de explorar múltiplas formas de abordar problemas ou de ver a matemática em contextos reais, mas isso acontece raramente na sala de aula. (BMGF, 2019, p. 15)

Várias respostas são apresentadas pela BMGF, embora se reconheça que para muitas questões ainda se espera por uma solução satisfatória. Dois aspetos sobressaem:
      Modificar a atividade na sala de aula para responder melhor às expetativas e necessidades dos estudantes, criando oportunidades para que estes se empenhem em discussões à volta de problemas que suscitem o seu interesse e os ajudem a desenvolver uma relação positiva com a Matemática. (BMGF, 2019, p. 17)
      Dar formação científica profunda em Matemática e em Teorias de Aprendizagem aos professores de modo que estes se sintam confiantes e capazes de diversificar as suas abordagens e experimentar novas estratégias na sala de aula de modo a conseguirem dar resposta a alunos com capacidades de proficiência multivariadas. (BMGF, 2019, p. 19)

Os relatórios do WEF (2018) e da MGI (2018) apontam igualmente para a importância no futuro de as pessoas em geral sejam dotadas de competências cognitivas elevadas, como seja possuírem pensamento crítico, serem criativos e terem poder de decisão; adquiram competências sociais, como comunicar e saber negociar com os outros, empatia, aprenderem ao longo da vida, e serem facilmente adaptáveis; e, saberem enfrentar os desafios associados à tecnologia, nomeadamente análise de informação e programação.
No que respeita à Matemática, a OCDE (OECD, s/d) partindo de um novo referencial para o PISA em que à resolução de problemas se acrescenta o raciocínio matemático, define como capacidades relevantes em Matemática para o século XXI, o pensamento crítico, a criatividade, a literacia digital, o pensamento sistémico, a comunicação, a reflexão (metacognição) e a persistência/resiliência (Schmidt, s/d).
Em jeito de conclusão, é absolutamente inequívoco que a Matemática é e será uma disciplina incontornável na formação de qualquer cidadão, em especial na sua preparação para o mundo do trabalho. Um currículo que responda a essa exigência deve ser: pouco extenso; relevante e flexível; envolver todos os parceiros na sua construção; prever o desenvolvimento de competências de resolução de problemas, de raciocínio matemático e de trabalho com situações da vida real, nomeadamente privilegiando o tratamento e interpretação de dados, bem como o pensamento crítico; e dar oportunidades diversificadas a todos os alunos para que se sintam confortáveis na abordagem a problemas cuja resolução requeira Matemática.


[1] Education & Skills
[2] key work skills
[3] need to exercise agency
[4] co-agency
[5] curriculum overload

Referências
 
BMGF - Bill & Melinda Gates Foundation (2019). Education Research & Development: Learning From the Field. Obtido de http://k12education.gatesfoundation.org/researchanddevelopment/
 
Davies, A., Fidler, D., & Gorbis, M. (2011). Future work skills 2020. California: Institute for the Future for the University of Phoenix Research Institute, Palo Alto,. Obtido de www.iftf.org

MGI – Mckinsey Global Institute (2018). Skill Shift: Automation and the Future of the Workforce. Nova Iorque.

OECD (2018). The Future of Education and Skills 2030. Paris: OECD Publishing.

OECD (s/d) Future of Education and Skills for 2030, Curriculum analysis. Obtido de http://www.oecd.org/education/2030-project/curriculum-analysis/


Schmidt, W. (s/d). 21st Century mathematics curriculum framework. Material distribuído em sessões de trabalho no âmbito do OECD 2030 Mathematics curriculum document analysis project (MCDA) (não publicado)
World Economic Forum [WEF] (2018). The Future of Jobs Report 2018. CH-1223 Cologny/Geneva. Switzerland.


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