domingo, 13 de abril de 2025

OCDE: Uma evolução do currículo de Matemática (2024)

 A OCDE publicou em dezembro de 2024 um documento dedicado especialmente ao currículo de Matemática em que se

"Apresenta uma análise internacional dos currículos de matemática com o objectivo de apoiar os países nos seus esforços de reforma curricular."

Este relatório foi produzido no âmbito das atividades da OCDE pelo projeto "Future of Education and Skills 2030 (Education 2030)", que, quase até ao final e enquanto a saúde lhe permitiu, foi produzido por William H. Schmidt (Michigan State University). Em particular, em 2022 foi publicado um relatório de trabalho intitulado "When practice meets policy in mathematics education: A 19 country/jurisdiction case study", cuja leitura se recomenda.

O relatório agora publicado é extremamente importante pois as preocupações com a renovação do currículo de Matemática são comuns à grande maioria dos países, incluindo da OCDE, de que Portugal é um membro ativo. Este documento, tal como a OCDE, defende que a "modernização dos currículos de matemática é crucial" para os países da OCDE e chama a atenção para importância de "um currículo orientado para o futuro".

Atendendo à sua importância vamos aqui apresentar uma tradução (da responsabilidade do autor desta entrada) do sumário executivo do relatório; para clarificação informo que o autor desta entrada do blogue participou nalgumas reuniões preparatórias de elaboração do presente documento, nomeadamente três reuniões com o Professor William Schmidt.



Sumário Executivo

À medida que os decisores políticos globais navegam pelo cenário social, económico e tecnológico em evolução, a modernização dos currículos de matemática é crucial. Um currículo orientado para o futuro equipa os alunos com as competências necessárias para as áreas pessoal e profissional, sem sobrecarregar alunos e educadores. Este relatório:

apresenta o estado atual do desenho curricular em matemática, identificando desafios e oportunidades de transformação (Capítulo 1);

analisa a evolução dos currículos de matemática ao longo de 25 anos, destacando a integração de competências e identificando as lacunas curriculares (Capítulo 2); 

analisa as conclusões do projeto Futuro da Educação e das Competências 2030 da OCDE (“OECD Future of Education and Skills 2030”), explorando as implicações para o desenvolvimento do currículo de matemática (Capítulo 3);

propõe princípios para o desenho curricular para atender às necessidades do século XXI, enfatizando a integração do pensamento crítico, da resolução de problemas e da literacia digital (Capítulo 4).

O Capítulo 1 discute as necessidades do século XXI que impulsionam a transformação nos currículos de matemática, com base nas descobertas do exercício da OCDE com o  Mapeamento de Conteúdos Curriculares E2030 (“E2030 Curriculum Content Mapping”). Revela como os currículos de matemática do ensino secundário inferior (3º Ciclo do Ensino Básico em Portugal) em vários países integram competências em comparação com outras disciplinas. Competências essenciais como a literacia, o pensamento crítico e a resolução de problemas estão amplamente incorporadas nos currículos de matemática, que são vitais para o desenvolvimento cognitivo e aplicações no mundo real, enquanto outras, como a empatia, a confiança, a responsabilidade e a co-agência, são menos enfatizadas. O Capítulo 1 destaca também os desafios que os governos enfrentam na reforma dos currículos de matemática, incluindo a natureza hierárquica e progressiva da disciplina.

O Capítulo 2 analisa a evolução dos currículos de matemática nos diferentes países ao longo de 25 anos, utilizando os dados do estudo E2030 Análise Curricular Documental em Matemática (“E2030 Mathematics Curriculum Document Analysis” (MCDA)). Destaca o crescente foco no raciocínio matemático e na estatística nos currículos modernos, particularmente nos primeiros oito anos de escolaridade. Os dados exploram a forma como os países estruturam e distribuem o conteúdo entre os anos de escolaridade, com alguns sistemas de alto desempenho a escolher um currículo focado (menos tópicos para uma aprendizagem mais profunda), enquanto outros adotam currículos mais amplos. O capítulo identifica lacunas entre as orientações curriculares e os manuais escolares, especialmente no que diz respeito ao fomento do pensamento de ordem superior, o que pode prejudicar as intenções políticas.

O Capítulo 3 exemplifica considerações para os currículos de matemática com base em cinco relatórios temáticos sobre análises curriculares do projeto Futuro da Educação e Competências (“Future of Education and Skills”) 2030 da OCDE, explorando:

O que os alunos aprendem é importante - em direção a um currículo do século XXI: enfatizando as competências orientadas para o futuro, como o pensamento crítico, a criatividade e a agência dos alunos em matemática, para além do potencial dos currículos digitais para uma aprendizagem personalizada.

Sobrecarga curricular - um caminho a seguir: abordar a sobrecarga curricular através de princípios de foco, rigor e coerência, garantindo que os alunos não são sobrecarregados e, ao mesmo tempo, reforçar conceitos matemáticos chave.

Adaptar o currículo para preencher lacunas de equidade: explorar pedagogias inclusivas para apoiar alunos com dificuldades em matemática, promovendo métodos de ensino que aumentem o envolvimento.

Incorporar valores e atitudes no currículo: destacar o papel de valores como o respeito, a colaboração e a persistência na redução da ansiedade matemática e na promoção de uma mentalidade de crescimento.

Flexibilidade e autonomia curricular: examinar como as pedagogias podem ser adaptadas às diversas necessidades dos alunos, garantindo que a instrução se mantém flexível e responsiva.

O Capítulo 4 conclui com 12 princípios para redesenhar os currículos de matemática para ajudar os decisores políticos e os responsáveis pelo desenho do currículo a satisfazer as exigências sociais e tecnológicas emergentes. Destaca estratégias para equilibrar a profundidade e o rigor do conteúdo sem sobrecarregar os alunos e os educadores, fornecendo recursos para o desenvolvimento profissional dos professores e métodos para atender à diversidade dos alunos. Aborda também a importância de alinhar as avaliações nacionais com os currículos reformulados para garantir que a avaliação reflete tanto o desempenho no conteúdo como nas novas competências.

Mensagens-chave

A matemática é essencial para a inovação tecnológica, o crescimento económico e a coesão social. É essencial em áreas como a ciência de dados e a inteligência artificial para desenvolver algoritmos, estatísticas e reconhecimento de padrões. Além disso, o currículo moderno de matemática está a enfatizar cada vez mais a estatística, a literacia de dados e a literacia digital, refletindo a sua importância nas nossas sociedades tecnologicamente ricas e orientadas por dados.

A modernização dos currículos de matemática é fundamental para preparar os alunos para um futuro dinâmico, equilibrando uma forte compreensão dos fundamentos com a introdução de novas competências, como a literacia de dados e o pensamento computacional.

A matemática, muitas vezes considerada uma disciplina "difícil de mudar", está a sofrer uma transformação. Para além das áreas de conteúdos tradicionais, como a quantidade/operações, a geometria, e a medição, desenvolver o raciocínio matemático dos alunos tornou-se um objetivo fundamental para muitos sistemas educativos.

A ênfase nos fundamentos cognitivos e metacognitivos essenciais — como a numeracia, a resolução de problemas, o pensamento crítico e a literacia — é evidente nos currículos do ensino secundário inferior (3º ciclo do Ensino Básico em Portugal), com um foco notável nos dados e na literacia digital, refletindo a importância de ajudar os alunos a navegar num ambiente tecnologicamente rico.

Algumas das chamadas competências do século XXI – por exemplo empatia, confiança, responsabilidade e co-agência - são frequentemente menos enfatizadas nos currículos de matemática do ensino secundário inferior (3º ciclo do Ensino Básico em Portugal) e mais integradas nos currículos de humanidades, língua nacional e educação física.

As escolhas das estruturas do currículo diferem entre os sistemas educativos: alguns países e jurisdições de alto desempenho concentram-se em menos tópicos para permitir uma aprendizagem mais profunda, enquanto outros adotam um currículo mais amplo, deixando espaço para uma maior autonomia dos professores.

O desenho da estrutura do curriculo deve garantir que a matemática se mantém focada, desafiante e alinhada com as aplicações no mundo real para satisfazer as exigências em evolução da força de trabalho e da sociedade.

A reforma curricular em matemática exige o alinhamento entre os currículos elaborados, os implementados e os alcançados. As divergências entre as intenções das política e a sua implementação na sala de aula — como as disparidades entre os objetivos curriculares e o conteúdo dos manuais escolares — devem ser abordadas para garantir uma reforma eficaz.+

Um desenho curricular holístico deve integrar as ferramentas digitais, os temas interdisciplinares e a agência dos alunos, equipando os alunos com as competências para navegar num mundo em rápida mudança.

O currículo, a pedagogia, o ambiente de aprendizagem, a formação de professores e a avaliação são essenciais para promover a equidade, garantindo que todos os alunos, incluindo os que têm dificuldades em matemática, têm oportunidades de se envolver significativamente com conceitos matemáticos, em particular, abordando a ansiedade matemática, cultivando a persistência e uma mentalidade exploratória e fomentando a confiança e a resiliência. A integração dos princípios do Design Universal para a Aprendizagem (Universal Design for Learning (UDL)) no currículo de matemática apoia este objetivo ao fornecer formas variadas e flexíveis para os alunos acederem, interagirem e demonstrarem a sua compreensão das ideias matemáticas. Equilibrar a profundidade do conteúdo com preocupação com a sobrecarga é um desafio significativo para os decisores políticos, que desejam garantir que os alunos compreendem completamente os conceitos matemáticos essenciais sem se sentirem sobrecarregados.

Os recursos são essenciais para o sucesso da reforma curricular: os professores precisam de formação profissional contínua, de recursos selecionados e de ferramentas apropriadas para oferecer uma educação matemática de elevada qualidade.

As avaliações, e os exames nacionais em particular, devem estar alinhados com os objetivos curriculares orientados para o futuro, garantindo que os exames não refletem apenas o domínio do conteúdo, mas também as competências emergentes necessárias para o sucesso no século XXI.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Sobre os erros em programação

Quando se inclui a programação nas aulas, os erros são muitíssimo frequentes.

Quando não se é profissional de programação, é fácil ficar-se frustrado com uma das situações mais frequentes: surge um erro. Como nos sentimos quando a máquina diz que encontra um erro?

Uma perspectiva profissional pode ajudar-nos:


P.S. 1: Os profissionais também erram muito; apenas os erros são diferentes.

P.S. 2: A dimensão da depuração (debug) do Pensamento Computacional incorpora esta atitude natural, descontraída e ativa perante o erro.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Que matemática para a universidade nos EUA?

Um tweet recente dava conta de uma alteração no site de Harvard, no texto sobre as condições de admissão, em termos de disciplinas do secundário. A questão parece ser a perda de importância das disciplinas de Ciência de Dados de nível secundário, que muitos chegaram a ver como alternativas melhores do que outras disciplinas matemáticas do secundário (como Cálculo e Álgebra II). 

Ora esta aparente alteração está na linha de um abaixo assinado de académicos de universidades e colleges de 4 anos da Califórnia, sobre os pré requisitos de matemática para estudos universitários em áreas quantitativas e STEM, incluindo Ciência de Dados. Os subscritores realçam a importância do conteúdo de Álgebra II (páginas 77 a 84 deste documento; para mais desenvolvimentos pode ver-se este documento).

Também uma revisão recente do California Mathematical Framework levou a uma intervenção de três matemáticos, dois deles do departamento de matemática de Stanford. Está disponível um texto destes três matemáticos que, segundo eles, incorpora também a opinião de outros colegas de Stanford.

De uma primeira leitura dos textos dos docentes da Califórnia e dos docentes de Stanford fica a impressão de que as Novas Aprendizagens Essenciais de Matemática para o Ensino Secundário estão alinhadas com o que algumas das melhores universidades dos EUA esperam da preparação matemática dos alunos que se candidatam a cursos em áreas científicas e quantitativas.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Ensino da Matemática no Brasil


O Brasil tem uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) homologada em 2018. Existe um site dedicado à BNCC onde, além do documento curricular, se pode encontrar outra informação associada, incluindo elementos históricos e pareceres. Existem também outras páginas, como esta relativa ao Ensino Médio. Em particular é possível encontrar pareceres sobre versões intermédias do documento.

No que diz respeito à Matemática, prevê-se explicitamente o desenvolvimento do pensamento computacional.

Para apoiar o ensino da Matemática, o IMPA (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada) através da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas) promoveu o projecto Livro Aberto de Matemática. Este projecto desenvolveu já vários materiais disponíveis online, incluindo textos sobre o pensamento computacional.

Um artigo com reflexões sobre a elaboração de materiais (incluindo materiais relativos ao pensamento computacional com a Matemática) está acessível online.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Pensamento computacional e matemática: as referências online


Para facilitar o acesso às referências online do artigo "Pensamento Computacional e Matemática" publicado na Educação e Matemática n.º 162, pp. 31-38, reproduzimos aqui as referências com as ligações ativas.




Beecher, K. (2017). Computational Thinking - A beginner’s guide to problem-solving and programming. BCS.



Chabert, J.-L., Barbin, É., Guillemot, M., Michel-Pajus, A., Borowczyk, J., Djebbar, A., & Martzloff, J.-C. (1994). Histoire d’algorithmes – Du caillou à la pouce. Belin.


Denning, P. J., & Tedre, M. (2019). Computational Thinking. The MIT Press.

Denning, P. J., Tedre, M. & Yongpradit, P. (2017). Misconceptions About Computer Science. Communications of the ACM, 60(3), 31-33.








Grcar, J. (2011b). John von Neumann’s Analysis of Gaussian Elimination and the Origins of Modern Numerical Analysis. SIAM Review, 53(4), 607-682.

Householder, A. S. & Stewart, G. W. (1971). The numerical factorization of a polynomial. SIAM Review, 13(1), 38-46.

Householder, A. S. (1971). Generalizations of an Algorithm of Sebastião e Silva. Numerische Mathematik, 16, 375–382.

Katz, V. (1992). A History of Mathematics. HarperCollins.






McNamee, J. M. & Pan, V. Y. (2012). Efficient polynomial root-refiners: A survey and new record efficiency estimates. Computers and Mathematics with Applications, 63, 239-254.

Nardelli, E. (2019). Do We Really Need Computational Thinking? Communications of the ACM, 62(2), 32-35.

Newton, I. (2004). O método das fluxões e das séries infinitas. Associação de Professores de Matemática e Editorial Prometeu.

Nunes, P. (2008). Obras – Vol. IV. Fundação Calouste Gulbenkian.

Papert, S. (1980). Mindstorms - Children, Computers, and Powerful Ideas. Basic Books.





Sebastião e Silva, J. (1941). Sur une méthode d’approximation semblable a celle de Graeffe. Portugaliae Mathematica, 2, 271–279. Republicado em Sebastião e Silva, J. (1985). Obras de José Sebastião e Silva, I, INIC, 77-85.



Tedre, M. & Denning, P. J. (2016). The Long Quest for Computational Thinking. Proceedings of the 16th Koli Calling Conference on Computing Education Research, 120-129.



Williams, M. R. (1997). A History of Computing Technology. 2nd ed. IEEE Computer Society Press.

Wing, J. (2006). Computational Thinking. Communications of the ACM, 49(3), 33-35.

OCDE: Uma evolução do currículo de Matemática (2024)

 A OCDE publicou em dezembro de 2024 um documento dedicado especialmente ao currículo de Matemática em que se "Apresenta uma análise i...