terça-feira, 29 de junho de 2021

O que nos trouxe de novo a disciplina de MACS?

O que nos trouxe de novo a disciplina de MACS?

Pela primeira vez nas escolas portuguesas, no ano letivo de 2004/2005, passou a haver mais do que uma disciplina de Matemática.

Os alunos dos cursos Científico-Humanísticos que ingressaram no 10º ano, em 2004/2005, escolhiam uma das seguintes vias: Ciências e Tecnologias, Ciências Socioeconómicas, Línguas e Humanidades e Artes Visuais. Quem optava por Línguas e Humanidades, tinha a possibilidade de ter a disciplina de Matemática Aplicada às Ciências Sociais (MACS), quem optava pelo curso de Artes Visuais podia frequentar a disciplina de Matemática B e quem optava por Ciências e Tecnologias ou Ciências Socioeconómicas tinha Matemática A como disciplina obrigatória.

Pela primeira vez, a Matemática deixou de ser única nas escolas! Havia Matemática A, Matemática B e MACS.

Em meados desse ano letivo de 2004/2005 a curiosidade instalou-se nas escolas. Que matemática se aprendia em MACS? Na Escola Secundária Filipa de Vilhena no Porto, foram os próprios alunos que frequentavam a disciplina que decidiram divulgá-la aos colegas por a considerarem a melhor. Discutiam e argumentavam sobre a pertinência e atualidade dos conteúdos que eram abordados, tendo em vista a preparação dos alunos para exercerem uma cidadania consciente e informada, mas também para o desenvolvimento do seu espírito crítico e de intervenção social. Divulgaram-na aos seus pares do mesmo ano de escolaridade e publicitaram-na aos alunos que frequentavam o 9º ano no sentido de poderem influenciar as suas escolhas

Agora, passados 16 anos, tivemos curiosidade em perceber o que restava num dos ativistas e defensores de MACS na Escola Filipa de Vilhena. Pedimos ao Diogo Faria, que nos expusesse livremente o que ainda pensa da sua passagem pela Matemática Aplicada às Ciências Sociais.

Tive aulas de Matemática Aplicada às Ciências Sociais (MACS) enquanto aluno do curso de Ciências Sociais e Humanas nos anos letivos de 2005/06 e 2006/07. Desde então, licenciei-me, fiz um mestrado e doutorei-me em História. Ao longo deste percurso de vários anos no ensino superior, foram muitas as ocasiões em que os conhecimentos adquiridos em MACS foram de enorme utilidade, nomeadamente para o tratamento e interpretação de dados recolhidos no âmbito de projetos de investigação. No entanto, não foi nesse âmbito mais académico e diretamente ligado à raiz da disciplina – ou seja, no quadro da aplicação de conhecimentos matemáticos ao estudo de ciências sociais – que mais valorizei os conhecimentos obtidos no ensino secundário. É, na verdade, enquanto cidadão que procura manter-se informado sobre o mundo que o rodeia que mais aproveito os benefícios do que aprendi. Saber calcular médias ou identificar modas e medianas será, por si só, obviamente útil, e imagino que isso se possa aprender em qualquer aula de matemática, mas saber interpretar criticamente esses indicadores – uma operação talvez menos ‘automática’, mesmo que não puramente subjetiva – é algo fundamental para a compreensão de muito do que nos rodeia e foi uma coisa que desenvolvi nas aulas de MACS. Conhecer diferentes sistemas eleitorais, perceber os mecanismos que estão por detrás de cada sufrágio, compreender por que é que é diferente a eleição de um Presidente da República da de um deputado ou de um presidente da câmara, e por que é que o que se passa em Portugal é distinto do que acontece em Inglaterra ou nos Estados Unidos, tudo isso é matemática, tudo isso é matemática aplicada à leitura da realidade de todos os dias, tudo isso é relevante para a formação integral de qualquer aluno. Num mundo cada vez mais globalizado, em que as fontes de desinformação são tantas ou até superam as de informação, em que é cada vez mais importante desenvolver mecanismos de avaliação e interpretação do que nos rodeia, tornar transversais uma série de matérias que atualmente estão concentradas na disciplina de MACS só pode ter como resultado a formação de cidadãos mais capazes e, sobretudo, mais críticos.

 

Será que o Diogo Faria tem razão? É essencial que todos os alunos no Ensino Secundário tenham acesso a esta Matemática abordada em MACS, como a Teoria das Eleições, a Matemática Financeira, a Estatística? Qual a importância da Matemática no Ensino Secundário para a formação dos cidadãos?

Cristina Cruchinho

Escola Secundária Filipa de Vilhena

 


 

terça-feira, 22 de junho de 2021

Educação Financeira é Matemática?

A Educação Financeira é um tema que tem vindo a ganhar destaque durante a última década. A necessidade de educar financeiramente a população é justificada pelo aumento da complexidade dos produtos financeiros e pelos baixos níveis de Literacia Financeira.

Os primeiros passos foram dados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que na sua reunião do conselho em 2003 incluiu o projeto intitulado Projeto de Educação Financeira que tinha como objetivo propor ações para educar financeiramente a população dos países filiados. Portugal começou a desenvolver uma estratégia de Educação Financeira e o Banco de Portugal (BdP) foi a entidade a quem foram atribuídas competências específicas de supervisão comportamental tendo, desde 2008, assumido um papel relevante nesta área. Em 2010 realizou-se um inquérito à Literacia Financeira dos portugueses e no ano seguinte foi criado o Plano Nacional de Formação Financeira (PNFF), pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, definindo cinco áreas de atuação: os estudantes do ensino básico e secundário, estudantes universitários, trabalhadores, grupos vulneráveis e população em geral. Em 2016 esta mesma entidade fez uma avaliação das ações entretanto desenvolvidas e atualizou as áreas de atuação criando mais duas, as crianças da educação pré-escolar e empreendedores, empresários e gestores de micro, pequenas e médias empresas.

É assim que, desde 2013 existe um “Referencial para a Educação Financeira" que vem sendo colocado em prática no contexto da Educação para a Cidadania e sobre outras formas como a iniciativa “Todos Contam.

Para além de documentos e iniciativas dirigidas a esta vertente formativa, o programa da disciplina de Matemática Aplicada às Ciências Sociais (MACS), bem como as Aprendizagens Essenciais da mesma disciplina incorporam um tema de Modelos Financieiros em que se propõe a abordagem a esta temática de forma explícita e integrada no currículo.

Podemos discutir se o estudo de juros, impostos, tarifários, orçamentos, empréstimos, créditos, opções de pagamento e outros conceitos que implicam um exercício da cidadania ativa e informada no contexto social do século XXI deve ser objeto de estudo transversal de diferentes unidades curriculares como a Economia, a Matemática, a Educação para a Cidadania, ou, em alternativa num espaço (e tempo) curricular específico. 
Esta discussão surge no relatório “Financial Education Programmes In Schools” publicado em 2005:

“financial education can be integrated into more established subjects (such as mathematics and citizenship) as well as, or instead of, being delivered as a separate subject;” (p.6)

Serão poucos os que contestam o mérito de discutir na escola, com os alunos, as opções e as implicações relacionadas com decisões financeiras. Será menos consensual a opção por uma das vertentes apontadas - a integração curricular, por exemplo na disciplina de Matemática, ou a autonomização curricular com tempos e currículos próprios. Esta mesma abordagem está presente no sistema de ensino brasileiro, com defensores de ambas as vertentes, mas com um predomínio claro de uma integração forte na disciplina de Matemática.

Em Portugal, e no contexto do Ensino Secundário, esta opção terá sido tomada a partir de 2002, para os alunos das Ciências Sociais, fazendo esta abordagem de forma integrada no currículo de MACS, com um sucesso assinalável. Na falta de investigação ou estudos que possam sustentar este sucesso podemos recorrer à opinião de vários professores e alunos que atestam o mérito e a pertinência desta abordagem curricular para o desenvolvimento de competências matemáticas associadas ao conhecimento do contexto social, para além dos limites da escola… 
Há no entanto investigação que foi desenvolvida no âmbito da integração da Educação Financeira na aula de matemática, partindo de tarefas específicas integradas nos conteúdos curriculares, que mostra uma boa interligação entre ambas as dimensões, com um ganho muito grande a favor do aumento da literacia financeira dos alunos ao mesmo tempo que aprendem os conceitos matemáticos em estudo.

Contudo esta abordagem bem sucedida só chega a uma pequena percentagem de alunos, de uma única vertente curricular e em regime de facultativo ou em situações em que os professores as privilegiam na sua aula.
Haverá ganhos em estender esta abordagem a todos os alunos? A nossa resposta é sim…Qual é a sua?

António Domingos (FCT NOVA)
Paulo Correia (AE Alcácer do Sal)




domingo, 20 de junho de 2021

Um currículo diversificado que ajuda os estudantes a planear para o futuro

O título em epígrafe é o título de um dos capítulos da brochura de apresentação do programa do 2º ciclo do Ensino Secundário do estado canadiano do Quebec. Neste estado o Ensino Secundário tem dois ciclos, o primeiro com 2 anos e o segundo com 3 anos (correspondentes aos nossos 7º-8º anos e 9º-11º anos, respetivamente). Os dois últimos anos do segundo ciclo têm um programa comum para todos os alunos, mas o currículo é diversificado em 3 vias, a via educacional geral (General Education Path), a via educacional geral aplicada (Applied General Education Path) e a via orientada para o trabalho (Work-Oriented Training Path). Nas duas primeiras vias há três opções: a opção Cultural, Social e Técnica (Cultural, Social and Technical) com 4 créditos por ano, a opção Técnica e Científica (Technical and Scientific) com 6 créditos por ano e a opção Científica (Science) com 6 créditos por ano.

No documento Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática (versão final - 27 de março de 2020), elaborado pelo Grupo de Trabalho de Matemática , a recomendação 11 refere a necessidade de alguma diversificação curricular; "o currículo de Matemática neste nível deve ser composto por um núcleo comum que defina o que é essencial na formação matemática à saída do ensino obrigatório, a ser frequentado por todos os alunos, que lhes permita desenvolver a necessária literacia matemática a que cada um tem direito. Deve também prever núcleos complementares, a acrescentar ao núcleo comum, que respondam a diferentes interesses de formação matemática específica."

Também no estado canadiano de Ontário existe uma diversificação a nível do ensino secundário, sendo oferecidos quatro tipos de cursos no ciclo que compreende os 11º e 12º anos:

  • Preparação para a Universidade
  • Preparação para a Universidade/Colégios
  • Preparação para a Colégios
  • Preparação para o mercado de trabalho

É definida uma estrutura modular com precedências para cada tipo de curso, sugerindo permeabilidade no progresso.

O programa internacional do International Baccalaureate oferece 4 cursos diferentes de Matemática nos seus dois últimos anos (16 a 19 anos), que são, atualmente: 

  • Mathematics: analysis and approaches SL (standard level)
  • Mathematics: analysis and approaches HL (higher level)
  • Mathematics: applications and interpretation SL (standard level)
  • Mathematics: applications and interpretation HL (higher level)

Em Singapura o final do ensino secundário geral, designado por pré-universitário (Pre-University), oferece quatro cursos de Matemática diferentes: 

  • Matemática H1 (Higher 1 Mathematics)
  • Matemática H2 (Higher 2 Mathematics)
  • Matemática H2 Avançada  (Higher 2 Further Mathematics)
  • Matemática H3 (Higher 3 Mathematics)
Os alunos escolhem um destes cursos em função dos cursos do Ensino Superior que pretendem frequentar, mas note-se que a entrada para os Institutos Politécnicos, Institutos de Desporto, Escolas de Artes e outras instituições segue uma via diferente.

Observamos pois que a diversificação dos programas de Matemática no Ensino Secundário é bastante comum (muitos outros países poderiam ser citados) mas a sua forma é extremamente diversa. É um desafio pensar como será mais adequadamente executada em cada país, mas parece ser uma via cada vez mais praticada nos sistemas educativos.
 


Nota: O Grupo de Trabalho de Matemática foi constituído em 2018 pelo Despacho n.º 12530/2018, de 28 de dezembro para "proceder à análise do fenómeno do insucesso, tendo em vista a elaboração de um conjunto de recomendações sobre a disciplina de Matemática - ensino, aprendizagem e avaliação." e produziu um documento Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática (versão final - 27 de março de 2020) que foi publicado na página da Direção Geral da Educação .

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