quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Necessidades futuras relativas a educação matemática


No futuro, será necessário estudar mais ou menos matemática? E que tipo de matemática? A trilogia clássica Algebra-Geometria-Análise? Ou outros temas serão necessários? O Grupo de Trabalho de Matemática debruçou-se sobre esta questão, a partir de vários relatórios internacionais.

O Grupo de Trabalho de Matemática foi constituído em 2018 pelo Despacho n.º 12530/2018, de 28 de dezembro para "proceder à análise do fenómeno do insucesso, tendo em vista a elaboração de um conjunto de recomendações sobre a disciplina de Matemática - ensino, aprendizagem e avaliação."

Aqui é reproduzido o parágrafo 9.3.3 do capítulo 9 (p. 254-259) do documento Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática (1.ª versão - 30 de junho de 2019), elaborado pelo Grupo de Trabalho de Matemática, que está em discussão pública até 12 de outubro, sendo que os comentários e sugestões devem ser enviados para a Direção Geral da Educação para o endereço dsdc@dge.mec.pt.

=========


Várias instituições a nível mundial têm desenvolvido estudos no sentido de antecipar as necessidades futuras de diferentes capacidades e competências para o mercado de trabalho. Considerámos aqui vários estudos, a saber: OCDE; Bill & Melinda Gates Foundation (BMGF), associada à Chan Zuckerberg Initiative; Institute For the Future (IFTF); World Economic Forum (WEF); e McKinsey Global Institute (MGI).
O diretor do serviço de Educação e Competências[1] da OCDE, Andreas Schleicher, assinala que, relativamente às necessidades dos futuros profissionais para o ano 2030, “Encaramos desafios sem precedentes – sociais, económicos e ambientais – suscitados pela rápida globalização e por uma taxa acelerada de desenvolvimentos tecnológicos” (OECD, 2018, p. 2).

Ao prospetar a educação para 2030, a OCDE pretende dar resposta a duas questões de grande alcance:
·     De que conhecimentos, capacidades, atitudes e valores precisarão os alunos atuais para prosperarem e moldarem o seu mundo?
·     Como podem os sistemas educativos desenvolver estes conhecimentos, capacidades, atitudes e valores de forma eficaz? (OECD, 2018, p. 2)

O IFTF coloca questões semelhantes:
A conectividade global, as máquinas inteligentes, e os novos meios de comunicação, são alguns dos fatores que estão a mudar a nossa perceção sobre o trabalho, e as competências exigíveis para se ser eficaz no futuro. (Davies, Fidler & Gorbis, 2011, p. 1)


O objetivo principal do IFTF é analisar quais são as competências que devem ser consideradas fundamentais para o mercado de trabalho[2] que serão importantes nos próximos dez anos. O relatório MGI (2018) divide as necessidades do mercado de trabalho em cinco classes de capacidades: Físicas e manuais; Cognitivas básicas; Cognitivas superiores; Sociais e emocionais; e Tecnológicas. Para as duas primeiras classes, prevê que no futuro haja uma menor procura de trabalhadores com estas caraterísticas, enquanto para as três restantes prevê um aumento.
A BMGF tem tentado nos últimos anos obter respostas para os três desafios seguintes, dizendo o segundo explicitamente respeito à Matemática:
·     [Como] preparar os alunos que terminam o ensino secundário para uma escrita não-ficcional, tão necessária no   e no mundo do trabalho, desenvolvendo hábitos, competências e estratégias adequadas?
·     [Como] preparar todos os alunos para a compreensão e aplicação de competências e conhecimentos matemáticos, bem como para o desenvolvimento de atitudes adequadas?
·     [Como] melhorar as capacidades de todos os alunos para que pensem de forma flexível, saibam trabalhar com ideias variadas, e regulem o seu pensamento e ações? (BMGF, 2019, p. 8)

A BMGF, considerando que existem graves problemas com os três desafios que identificou, solicitou a colaboração de diversas instituições e especialistas de todo o mundo, alegando que:
O bom desempenho nestas três áreas é importante para o sucesso do estudante na escola, no trabalho e ao longo da sua vida. E os estudantes que encaram traumas de infância, pobreza, sem abrigo, desafios de aprendizagens particulares, ou estão em escolas com financiamento insuficiente podem estar especialmente em risco de não desenvolver estas competências essenciais. (BMGF, 2019, p. 8)

O relatório do WEF (2018) perspetivando as capacidades que um trabalhador deve possuir no futuro, aponta como fundamentais as seguintes: “Pensamento analítico e inovação; Aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem; Criatividade, originalidade e iniciativa; Design e programação de tecnologia; Pensamento crítico e análise; Resolução de problemas complexos; Liderança e influência social; Inteligência emocional; Raciocínio, resolução de problemas e ideação; e Análise e avaliação de sistemas” (WEF, 2018, p. 12).
E em acelerado declínio, embora algumas delas sejam estruturalmente importantes,
Destreza manual, resistência e precisão; Capacidades de memória, verbais, auditivas e espaciais; Gestão de recursos financeiros e materiais; Instalação e manutenção de tecnologia; Ler, Escrever, Contar e Audição atenta; Gestão de pessoal; Controle de qualidade e consciencialização sobre segurança; Coordenação e gestão de tempo; Capacidades visuais, auditivas e de fala; Uso, monitorização e controle de tecnologia. (WEF, 2018, p. 12)

A OCDE (OECD, 2018) refere que os alunos devidamente preparados para o futuro precisam de ser mais interventivos[3], tanto ao nível da sua educação, como ao nível da sua vida particular. Nesse sentido propõe a ideia de coação[4] para exprimir que a aprendizagem deve ser feita num ambiente alargado onde se tem que considerar a interação com o ambiente onde se insere, não só os professores, mas também os seus pares, as famílias e as comunidades. E nesta perspetiva todos estão a aprender, alunos, professores, dirigentes escolares, pais e comunidades em geral (OECD, 2018).
Considera-se igualmente importante o conceito de competência que “(…) implica mais do que apenas a aquisição de conhecimento e capacidades; envolve a mobilização de conhecimentos, capacidades, atitudes e valores para ir ao encontro de exigências complexas” (OECD, 2018, p. 5). Esta perspetiva, que se assume como sendo exigente e formadora, enfrenta cinco desafios identificados pela OCDE:
1.   Confrontadas com as necessidades e pedidos de pais, universidades e empregadores, as escolas estão a enfrentar uma sobrecarga curricular[5]. Como resultado, os estudantes têm frequentemente falta de tempo suficiente para dominar conceitos-chave das disciplinas ou para ter uma vida equilibrada, para alimentar amizades, dormir e fazer exercício. É tempo de mudar o foco dos nossos estudantes de “mais horas para aprendizagem” para “tempo de aprendizagem de qualidade”.
2.   As reformas curriculares sofrem de tempos diferidos entre reconhecimento, tomada de decisões, implementação e impacto. O espaço entre as intenções do currículo e os resultados de aprendizagem é geralmente demasiado grande.
3.   O conteúdo deve ser de alta qualidade para os estudantes se poderem empenhar na aprendizagem e adquirir uma compreensão profunda.
4.   O currículo deve assegurar a equidade ao mesmo tempo que inova; todos os estudantes, não apenas alguns, devem beneficiar das mudanças sociais, económicas e tecnológicas.
5.   Um planeamento e estrutura perspetivados com cuidado são igualmente importantes para uma implementação eficaz das reformas. (OECD, 2018, p. 6)

Para conseguir responder de forma satisfatória a estes desafios, a OCDE avança com uma série de princípios para a elaboração de um currículo, dos quais se destacam os seguintes:
FOCO: Um número relativamente pequeno de tópicos deve ser introduzido em cada nível para assegurar a profundidade e a qualidade da aprendizagem dos estudantes.
ESTRUTURA: O currículo deve estar bem estruturado e de acordo com as práticas de ensino e avaliação.
ESCOLHA: Aos alunos deve ser oferecido um conjunto alargado de tópicos e projetos opcionais.
AUTENTICIDADE: Os estudantes devem ser capazes de relacionar as suas experiências de aprendizagem com o mundo real e ter um sentido da finalidade da sua aprendizagem. Isto requer interdisciplinaridade e aprendizagem colaborativa alinhadas com o domínio do conhecimento disciplinar.
EMPENHAMENTO: Professores, alunos e outros parceiros relevantes devem ser envolvidos desde muito cedo no desenvolvimento do currículo, para assegurar o sentimento de coautoria na implementação. (OECD, 2018, p. 7)

O IFTF inclui entre as competências chave para o mercado de trabalho as seguintes:
PENSAMENTO COMPUTACIONAL: capacidade de traduzir grandes conjuntos de dados em conceitos abstratos e compreender o raciocínio baseado nos dados, estando igualmente ciente das suas limitações, sendo que mesmo os melhores modelos são aproximações da realidade e não a própria realidade. (Davies et al., 2011, p. 10)
TRANSDISCIPLINARIDADE: literacia e capacidade de compreender conceitos através de múltiplas disciplinas; é preciso educar investigadores para que consigam falar a língua de múltiplas disciplinas – biólogos que tenham compreensão da matemática e matemáticos que compreendam a biologia; o trabalhador ideal da próxima geração deve compreender profundamente pelo menos um campo, mas deve ter igualmente a capacidade de conversar na linguagem de um vasto campo de disciplinas. (Davies et al., 2011, p. 11)
A interdisciplinaridade e aprendizagem colaborativa, aliados ao domínio do conhecimento disciplinar, é uma dimensão comum aos dois documentos: OCDE (2018) e IFTF (2011).
A BMGF identificou igualmente alguns constrangimentos importantes:
      Apesar da investigação indicar que em muitos casos o ensino da matemática dá pouca ênfase à construção de competências de resolução de problemas, os trabalhos dos estudantes e as aulas focam-se sobretudo em procedimentos e cálculos rotineiros.
      A resposta que os estudantes recebem relativamente às suas avaliações não os ajuda a emendar os erros e as ferramentas tecnológicas limitam-se muitas vezes a respostas do tipo certo/errado ou de escolha múltipla em que não se consegue perceber o raciocínio dos alunos.
      Frequentemente os estudantes não têm oportunidades suficientes de uma prática matemática autêntica e de discussões à volta de pensamentos matemáticos complexos e por isso as suas conceções erradas não são identificadas e muito menos corrigidas.
      Apesar da matemática estar interrelacionada com a ciência e com muitas outras disciplinas, os estudantes têm poucas oportunidades de integrar conceitos e de estabelecer conexões entre temas.
      Os alunos aprendem os conceitos de forma mais profunda quando são encorajados a falhar e tentar de novo e quando têm oportunidades de explorar múltiplas formas de abordar problemas ou de ver a matemática em contextos reais, mas isso acontece raramente na sala de aula. (BMGF, 2019, p. 15)

Várias respostas são apresentadas pela BMGF, embora se reconheça que para muitas questões ainda se espera por uma solução satisfatória. Dois aspetos sobressaem:
      Modificar a atividade na sala de aula para responder melhor às expetativas e necessidades dos estudantes, criando oportunidades para que estes se empenhem em discussões à volta de problemas que suscitem o seu interesse e os ajudem a desenvolver uma relação positiva com a Matemática. (BMGF, 2019, p. 17)
      Dar formação científica profunda em Matemática e em Teorias de Aprendizagem aos professores de modo que estes se sintam confiantes e capazes de diversificar as suas abordagens e experimentar novas estratégias na sala de aula de modo a conseguirem dar resposta a alunos com capacidades de proficiência multivariadas. (BMGF, 2019, p. 19)

Os relatórios do WEF (2018) e da MGI (2018) apontam igualmente para a importância no futuro de as pessoas em geral sejam dotadas de competências cognitivas elevadas, como seja possuírem pensamento crítico, serem criativos e terem poder de decisão; adquiram competências sociais, como comunicar e saber negociar com os outros, empatia, aprenderem ao longo da vida, e serem facilmente adaptáveis; e, saberem enfrentar os desafios associados à tecnologia, nomeadamente análise de informação e programação.
No que respeita à Matemática, a OCDE (OECD, s/d) partindo de um novo referencial para o PISA em que à resolução de problemas se acrescenta o raciocínio matemático, define como capacidades relevantes em Matemática para o século XXI, o pensamento crítico, a criatividade, a literacia digital, o pensamento sistémico, a comunicação, a reflexão (metacognição) e a persistência/resiliência (Schmidt, s/d).
Em jeito de conclusão, é absolutamente inequívoco que a Matemática é e será uma disciplina incontornável na formação de qualquer cidadão, em especial na sua preparação para o mundo do trabalho. Um currículo que responda a essa exigência deve ser: pouco extenso; relevante e flexível; envolver todos os parceiros na sua construção; prever o desenvolvimento de competências de resolução de problemas, de raciocínio matemático e de trabalho com situações da vida real, nomeadamente privilegiando o tratamento e interpretação de dados, bem como o pensamento crítico; e dar oportunidades diversificadas a todos os alunos para que se sintam confortáveis na abordagem a problemas cuja resolução requeira Matemática.


[1] Education & Skills
[2] key work skills
[3] need to exercise agency
[4] co-agency
[5] curriculum overload

Referências
 
BMGF - Bill & Melinda Gates Foundation (2019). Education Research & Development: Learning From the Field. Obtido de http://k12education.gatesfoundation.org/researchanddevelopment/
 
Davies, A., Fidler, D., & Gorbis, M. (2011). Future work skills 2020. California: Institute for the Future for the University of Phoenix Research Institute, Palo Alto,. Obtido de www.iftf.org

MGI – Mckinsey Global Institute (2018). Skill Shift: Automation and the Future of the Workforce. Nova Iorque.

OECD (2018). The Future of Education and Skills 2030. Paris: OECD Publishing.

OECD (s/d) Future of Education and Skills for 2030, Curriculum analysis. Obtido de http://www.oecd.org/education/2030-project/curriculum-analysis/


Schmidt, W. (s/d). 21st Century mathematics curriculum framework. Material distribuído em sessões de trabalho no âmbito do OECD 2030 Mathematics curriculum document analysis project (MCDA) (não publicado)
World Economic Forum [WEF] (2018). The Future of Jobs Report 2018. CH-1223 Cologny/Geneva. Switzerland.


sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Documentos curriculares da Finlândia


O Grupo de Trabalho de Matemática debruçou-se sobre as mais recentes revisões curriculares de vários países. Um deles é a Finlândia, cujo sistema educativo tem estado em foco, embora pouco se fala do conteúdo do currículo de Matemática desse País.

O Grupo de Trabalho de Matemática foi constituído em 2018 pelo Despacho n.º 12530/2018, de 28 de dezembro para "proceder à análise do fenómeno do insucesso, tendo em vista a elaboração de um conjunto de recomendações sobre a disciplina de Matemática - ensino, aprendizagem e avaliação."

Aqui é reproduzido o terceiro parágrafo do capítulo 6 (p. 129-139) do documento Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática (1.ª versão - 30 de junho de 2019), elaborado pelo Grupo de Trabalho de Matemática, que está em discussão pública até 12 de outubro, sendo que os comentários e sugestões devem ser enviados para a Direção Geral da Educação para o endereço dsdc@dge.mec.pt.

===========


6.3.1. Introdução

A República da Finlândia é o oitavo maior país da Europa, com cerca de 350 000km2, e está localizado no Norte da Europa, na região Fino-Escandinávia. A sua população conta com cerca de 5.5 milhões de habitantes, concentrando-se a maioria no sul do país (Population Register Centre, s/d). Tem duas línguas oficiais: o finlandês (suomi), língua materna da maioria da população, e o sueco.
O sistema educativo não superior inclui três ciclos: a Educação Pré-Escolar, dos 0 aos 6 anos de idade, sendo o último ano, designado por Pré-Primária, de frequência obrigatória para todas as crianças; o Ensino Básico obrigatório, de caráter não seletivo, de nove anos, dos 7 aos 15 anos de idade; e o Ensino Secundário, de três anos, flexível, individualizado e com uma estrutura modular, apresenta duas vias, geral e vocacional, ambas dando acesso ao Ensino Superior. Existe um ano a seguir ao 9.º ano, ainda considerado de Ensino Básico, de frequência não obrigatória.
O Ensino Básico termina com um certificado decorrente da avaliação interna realizada. A avaliação externa, a nível nacional, com propósitos seletivos existe apenas no final do Ensino Secundário, com a finalidade de uma certificação de final de ciclo e de acesso ao Ensino Superior. Este exame é constituído por quatro provas. A de língua materna é de carácter obrigatório. As outras três podem ser escolhidas entre os seguintes assuntos: segunda língua nacional; uma língua estrangeira, matemática, humanidades e ciências naturais. Existem duas provas distintas de Matemática: temas matemáticos avançados e os básicos. Os estudantes podem escolher qual a prova que irão fazer, de acordo com a via do Ensino Secundário que frequentaram. Os primeiros exames digitais foram iniciados no outono de 2016, ficando o processo concluído na primavera de 2019[1].
Em 2014 foram criados novos currículos (National Core Curriculum — NCC) para o Ensino Pré-Primário, o Ensino Básico e o Secundário, estabelecendo, deste modo, referenciais para a definição dos currículos locais a implementar ao nível dos municípios e escolas (ME & FNAE, 2017). Em 2016, deu-se a adoção generalizada do NCC no Pré-Primário e no Ensino Básico. A implementação iniciou-se de forma faseada: em 2017 envolveu todos os anos do 1.º ao 7.º, em 2018, no 8.º ano e, em 2019 no 9.º ano. No Ensino Secundário, iniciou-se em 2017 no primeiro ano deste ciclo, cobrindo progressivamente, ano a ano os restantes. Por último, em 2016, foi criado o NCC para a Educação Pré-Escolar, tendo o seu processo de adoção terminado em agosto de 2017.
Os NCC têm por principal finalidade construir uma escola que garanta a equidade na educação, esteja assente na confiança e responsabilidade, e possa responder aos desafios da sociedade de hoje e às necessidades que se colocarão no futuro (ME & FNAE, 2017). Assentam na assunção de que “a aprendizagem é consequência da atividade do aluno, através de ações orientadas para os objetivos e auto direcionadas (…) e acontece na interação entre alunos, professores, peritos e comunidade em diferentes contextos” (FNAE, 2016d, p. 19). Ao nível da Educação Pré-Escolar podemos encontrar expressões associadas à educação como: “bem-estar” e “desenvolvimento integral da criança e prazer na aprendizagem”. Não abandonando estes princípios orientadores, o Ensino Básico deve garantir a qualidade de uma educação adequada a qualquer aluno: “Todo o aluno é único e tem o direito a uma educação de elevada qualidade” (FNAE, 2016a, p. 2), promovendo uma aprendizagem com compreensão e oportunidades para o sucesso de todos os alunos. O Ensino Secundário Geral deve promover o conhecimento geral e as capacidades e valores que permitam aos alunos ter um pensamento independente e crítico, agir de forma responsável, compreensível e bem-sucedida (FNAE, 2016d).
Valorizando o desenvolvimento dos alunos enquanto seres humanos e cidadãos, estas novas orientações curriculares passaram a dar grande relevância às competências transversais que devem atravessar todas as disciplinas escolares. São elas: Pensar e aprender a aprender, competência cultural, interação e autoexpressão; tomar conta de si e gerir a vida do dia-a-dia; literacia múltipla; competência tecnológica; competência na vida ativa e empreendedorismo; e participação, envolvimento e construção de um futuro sustentável (figura 20).


Figura 20 - Competências transversais para todas as disciplinas escolares no Ensino Básico (FNAE, 2016a, s/p.)

A entidade finlandesa responsável pelo desenvolvimento curricular, a Agência Finlandesa Nacional para a Educação, esclarece que, embora exista a valorização das competências transversais, os NCC não aboliram as disciplinas. O foco passou sim a ser nas “competências transversais e no trabalho que atravessa as disciplinas escolares” (FNAE, 2016b, p. 1). Anualmente, os alunos têm de frequentar pelo menos um módulo de aprendizagem interdisciplinar.

6.3.2. A Matemática no currículo

No NCC relativo à Educação Pré-Escolar, incluindo a Pré-Primária, a Matemática surge como uma das áreas integradas na “Exploração e interação com o meio envolvente” (FNEA, 2016e; 2017).
No Ensino Básico e no Ensino Secundário, a Matemática constitui uma área de estudos independente, estando definido o número mínimo de horas semanais para esta disciplina (Quadro 14). De acordo com o Quadro 14, pode verificar-se que, à medida que se vai progredindo no percurso escolar, o número mínimo de horas vai decrescendo ligeiramente, embora se inicie com menos horas nos dois primeiros anos.
Quadro 14 - Número mínimo de horas semanais para a Matemática
Número mínimo de horas semanais
1.º e 2.º anos
Do 3.º ao 6.º ano
Do 7.º ano ao 9.º ano
Ensino Secundário Geral

6h
15h
11h
6 a 10h
Fonte: FNAE (2018)

No que respeita ao NCC para o Ensino Secundário Geral, é ressalvada a importância da Matemática em diversas áreas da sociedade: “A Matemática tem um papel crucial em campos como as ciências, a tecnologia, a economia, o empreendedorismo, a saúde e a segurança” (FNAE, 2016d, p. 226).
Uma vez que a estrutura do Ensino Secundário é modular, existem diferentes módulos de Matemática oferecidos aos alunos, com objetivos igualmente diferentes e agrupados em três níveis: unidade de estudo comum em Matemática; conteúdos matemáticos avançados; e conteúdos matemáticos básicos. O primeiro procura despertar nos alunos o interesse pela Matemática e contém apenas um módulo de frequência obrigatória (MAY1). O segundo, dirigido aos alunos que queiram prosseguir estudos no ensino vocacional ou superior que exijam Matemática, contém dozes módulos de frequência obrigatória, sobre diferentes tópicos matemáticos (MAA2 a MAA13). Finalmente, o terceiro, que procura desenvolver a capacidade de compreensão do papel da Matemática no desenvolvimento da sociedade e a sua aplicação em situações do dia-a-dia em diversos campos da ciência, inclui sete módulos (MAB2 a MAB8).

6.3.3. Finalidades e objetivos

A principal finalidade da Educação Pré-Escolar é o de providenciar que a criança desenvolva a sua capacidade de observar, analisar e compreender o seu contexto envolvente. Em particular, deve contribuir para o desenvolvimento do pensamento matemático das crianças, bem como de uma atitude positiva face à Matemática (FNAE, 2017). Pode ainda ler-se que: “O objetivo é garantir que a criança tenha gosto na invenção e aprendizagem em diferentes fases do seu pensamento matemático” (FNAE, 2017, p. 66). No que à Pré-Primária diz respeito, a sua finalidade é desenvolver o pensamento matemático das crianças e o seu interesse por esta ciência (FNAE, 2016e).
A grande finalidade da Matemática no Ensino Básico é o “desenvolvimento do pensamento matemático lógico, preciso e criativo dos alunos” (FNAE, 2016c, p. 239). Em particular, pretende-se desenvolver a capacidade dos alunos para processar informação e resolver problemas, para além do estabelecimento da compreensão de conceitos e estruturas matemáticas. Simultaneamente, capacidades de comunicação, interação e cooperação devem ser igualmente desenvolvidas.
O ensino da Matemática no Ensino Básico deve ser tal que apoie os alunos a desenvolverem uma atitude positiva face à Matemática e uma autoimagem positiva enquanto aprendentes de Matemática, e a reconhecerem a utilidade desta ciência, quer na sua vida pessoal, quer na sociedade.
O ensino da Matemática no Ensino Secundário Geral tem por principal finalidade “familiarizar os alunos com modelos de pensamento matemático e ideias base e estruturas matemáticas, torná-los capazes de usar linguagem matemática escrita e oral, e desenvolver-lhes capacidades[2]em cálculo, modelação de fenómenos e resolução de problemas” (FNAE, 2016d, p. 470).

6.3.4. Conteúdos matemáticos

É previsto que, durante a Educação Pré-Escolar, incluindo a Pré-Primária, os alunos comecem a desenvolver o conceito de número, identificando números e quantidades no seu meio envolvente, expressando-se por palavras e símbolos numéricos, adequados às suas aptidões, e a desenvolver a sua perceção do espaço e plano, aprendendo os conceitos de localização e relação e também de medida, como seja a de tempo. A resolução de problemas é igualmente enfatisada, recomendando-se que as crianças devem ser encorajadas a “descobrir, a considerar e a deduzir problemas do seu meio envolvente, e a encontrar soluções” (FNAE, 2017, p. 66).
Os temas matemáticos a serem trabalhados nos 1.º e 2.º anos são os Números e Operações, Geometria e Medida, e Processamentos de Dados e Estatística (Quadro 15). A estes conteúdos matemáticos juntam-se-lhe Capacidades de pensamento[3] que incluem comparar, classificar, encontrar semelhanças e regularidades, ordenar objetos e identificar relações de casualidade. 

Quadro 15 - Temas matemáticos nos 1.º e 2.º anos
Temas
Subtemas
Tópicos matemáticos
Números e Operações
Números inteiros
Propriedades dos números
Operação de adição
0 a 20 e posteriormente de 0 a 100, estratégias de cálculo mental. Propriedade comutativa e associativa
Operação de subtração
0 a 20 e posteriormente de 0 a 100, estratégias de cálculo mental.
Operação de multiplicação
Propriedade comutativa e associativa. Tabuada do 1 ao 5 e do 10
Operação de divisão

Fração
Divisão de um número em duas partes
Geometria e Medida
Espaço

Elementos do Plano

Princípios de medida
Comprimento, massa, volume, tempo, e respetivas unidades de medida

Processamento de dados e Estatística
Recolha de dados

Representação de dados e interpretação
Desenhar e interpretar tabelas simples e gráficos de barras
Fonte: FNAE (2016c)

Apresentamos, de seguida, os tópicos matemáticos do 3.º ao 6.º ano, que diferem dos anos anteriores, por se acrescentar o início da Álgebra e das Probabilidades (Quadro 16). Tal como anteriormente, aos tópicos matemáticos há ainda que ter em conta as Capacidades de pensamento[4] que incluem comparar, classificar, encontrar semelhanças, diferenças e regularidades, ordenar objetos e identificar relações de casualidade e de conexões na Matemática. Os alunos devem ainda planear e executar programas em ambientes de programação gráfica (FNAE, 2016c).

Quadro 16 - Temas matemáticos nos 1.º e 2.º anos
Temas matemáticos
Subtemas
Tópicos
Números e Operações
Sistema decimal
Estrutura e divisibilidades dos números. Operações elementares
Operação de adição
Algoritmo/Cálculo mental
Operação de subtração
Algoritmo/Cálculo mental
Operação de multiplicação
Tabuada dos 6 aos 9
Algoritmo/ Cálculo mental
Operação de divisão

Fração
Partição, razão
Percentagem

Números negativos

Álgebra
Sequências e regularidades

Conceito de incógnita

Equações
Resolução por experimentação e raciocínio
Geometria e Medida
Classificar objetos
Sólidos geométricos
Elementos do Plano
Ponto, segmento de reta, ângulo
Isometrias
Simetria em relação a um eixo, rotação e translação
Sistemas de medida
Escalas, conversões
Áreas de figuras diversas
Volume
Volume de prismas retangulares


Processamento de dados e softwares, Estatística e Probabilidades
Recolha de dados

Medidas de tendência central

Probabilidade
Acontecimentos impossível, provável e certo
Fonte: FNAE (2016c)

O Anexo 1 apresenta os temas matemáticos propostos para os anos entre o 7.º e o 9.º ano de escolaridade.
Os diferentes módulos do Ensino Secundário agrupados pelos três níveis de Matemática definidos no NCC respetivo estão indicados no quadro seguinte (Quadro 17). O Anexo 2 apresenta um quadro com informação mais detalhada.

Quadro 17 - Módulos do Ensino Secundário por nível de Matemática
Nível
Módulo

Unidade de estudo comum em Matemática
Número e sequências de números (MAY1)
Conteúdos matemáticos avançados
Funções polinomiais e equações (MAA2)
Geometria (MAA3)
Vetores (MAA4)
Geometria analítica (MAA5)
Derivadas (MAA6)
Funções trigonométricas (MAA7)
Funções radical e logarítmica (MAA8)
Cálculo diferencial e integral (MAA9)
Probabilidade e estatística (MAA10)
Teoria de números e demonstrações matemáticas (MAA11)
Algoritmos em Matemática (MAA12)
Cálculo integral e diferencial avançado (MAA13)
Conteúdos matemáticos básicos
Expressões e equações (MAB2)
Geometria (MAB3)
Modelos matemáticos (MAB4)
Estatística e probabilidades (MAB5)
Matemática comercial (MAB6)
Análise matemática (MAB7)
(Curso nacional de especialização)
Estatística e probabilidades II (MAB8)
Fonte: FNAE (2016d)

6.3.5. Orientações metodológicas

É frequente encontrarem-se sugestões para os educadores para o trabalho com a Matemática, na Educação Pré-Escolar, em particular na Pré-Primária, como seja, que as crianças deverão ser encorajadas a “descrever as suas observações matemáticas em diversas situações do dia-a-dia (…) a descobrir e produzir regularidades” (FNEA, 2016e, p. 53). Em particular na Pré-Primária, é recomendado que se recorra a jogos, histórias, informação e comunicação tecnológica (FNAE, 2016e).
Existe no Ensino Básico uma recomendação metodológica geral. Trata-se da necessidade de diferenciar pedagogicamente, quer dando apoio sistemático aos alunos, quer criando oportunidades para os mais dotados[5] (FNAE, 2016c, p. 413) aprofundarem o seu conhecimento. No momento em que é efetuada a aprendizagem de novos conteúdos pode ser necessário um apoio antecipado (FNEA, 2016c).
 “Aprender fazendo” e “aprender através da experiência” (FNAE, 2016c, p. 717) são dois pressupostos que os NCC destacam e importantes para orientar os professores nas metodologias de ensino a seguir. Há ainda que tirar partido das facilidades que a escola e a comunidade envolvente podem oferecer, e promover situações em que os alunos planifiquem e concretizem projetos de investigação simples.
No Ensino Básico, por exemplo, no trabalho inicial com os números devem ser proporcionadas experiências diversas, tendo em conta as vivências pessoais dos alunos, situações do dia-a-dia, que permitam criar uma base para os conceitos e estruturas matemáticas (FNAE, 2016c). A expressão oral e escrita e o desenho e interpretação de imagens são estratégias que podem promover a capacidade dos alunos exprimirem o seu pensamento matemático.
No Ensino Secundário Geral recomenda-se que os contextos de ensino e aprendizagem sejam organizados de tal forma que incentivem os alunos a questionar, a formular conjeturas e conclusões e a justificá-las (FNAE, 2016d). A resolução de tarefas abertas e suficientemente desafiadoras, a identificação de problemas, a formulação de questões e a procura de soluções deverão ser encorajadas.


Na Educação Pré-Escolar, os recursos são muito variados, incidindo principalmente em objetos diversos recolhidos do meio envolvente das crianças. No que respeita a tecnologia, ela assume uma importância que vai para além da Matemática, uma vez que se considera que é favorecedora do desenvolvimento de abordagens que passam pela experimentação e pelo desenvolvimento da capacidade de questionar (FNAE, 2017).
Em todo o Ensino Básico e Secundário, é assumido que a aprendizagem deve ser apoiada pela utilização de tecnologia de informação e comunicação. À medida que os anos de escolaridade vão avançando, a referência a recursos tecnológicos é mais frequente. Por exemplo, no Ensino Básico, do 3.º ao 6.º ano, afirma-se que “a aprendizagem é apoiada pela utilização de tecnologia de informação e comunicação” (FNAE, 2016c, p. 408). No Ensino Secundário, uma recomendação geral é a de que os alunos deverão ser incentivados e “orientados a usar tecnologias de informação e comunicação de forma diversa” (FNAE, 2016d, p. 20). É de fazer notar que os NCC reconhecem tal importância às tecnologias digitais que é uma das competências transversais consideradas “Competências em TIC” (FNAE, 2016a).
Sobretudo nos primeiros anos do Ensino Básico, podem encontrar-se ainda recomendações para se fazer recurso a outros materiais. Tal é o caso dos 1.º e 2.º anos: “O ensino e a aprendizagem melhoram a capacidade dos alunos de expressarem o seu pensamento matemático através de materiais concretos (…)” (FNAE, 2016c, p. 240).


A utilização de uma diversidade de métodos e a função reguladora da avaliação são as duas orientações gerais que orientam as práticas avaliativas dos NCC ao longo de todo o sistema educativo (FNAE, 2016a). Assim, não será de estranhar que por exemplo, se afirme que Pré-Primária a avaliação tem como finalidade “apoiar o bem-estar, o crescimento e a aprendizagem de cada criança” (FNAE, 2016e).
Ao longo do Ensino Básico preconiza-se uma avaliação de natureza marcadamente reguladora da aprendizagem. Por exemplo, pode ler-se no período entre o 3.º e o 6.º ano que:
O principal papel da avaliação durante o ano letivo é apoiar e promover o desenvolvimento do pensamento matemático dos alunos e a sua competência em todas as áreas. A avaliação deve ser versátil e o feedback instrutivo e construtivo. (FNAE, 2016c, p. 413)

O feedback deve igualmente ser um suporte ao desenvolvimento da capacidade de autoavaliação dos alunos, a que se dá particular importância, como se pode ver quando se apresenta o propósito da avaliação em todo o Ensino Básico: “o objetivo da avaliação do desempenho dos alunos é guiar e encorajar a aprendizagem e desenvolver a capacidade de autoavaliação dos alunos” (FNAE, 2016c, p. 87). O mesmo se pode encontrar nas orientações curriculares para o Ensino Secundário: “Os alunos são orientados para planificar os seus estudos, avaliar as suas capacidades para agir e trabalhar, bem como para se responsabilizar pela sua aprendizagem” (FNAE, 2016d, p. 20). Uma grelha de critérios de avaliação que explicitam o que se espera que os alunos atinjam no final de cada um dos ciclos faz parte das orientações curriculares dos NCC.


[1] https://www.ylioppilastutkinto.fi/en/matriculation-examination
[2] Skills
[3] Thinking skills
[4] Thinking skills
[5] Talented pupils


Finnish National Agency for Education (2016a). New national core curriculum for basic education. Obtido de https://www.oph.fi/english/curricula_and_qualifications/basic_education/curricula_2014
Finnish National Agency for Education (2016b). Subject teaching in Finnish schools is not being abolished. Obtido de https://www.oph.fi/english/current_issues/101/0/subject_teaching_in_finnish_schools_is_not_being_abolished
Finnish National Agency for Education (2016c). New national core curriculum for basic education. Helsinki: Next Print Oy (Digital publication)
Finnish National Agency for Education (2016d). National core curriculum for general upper secondary schools 2015. Helsinki: Next Print Oy (Digital publication)
Finnish National Agency for Education (2016e). National core curriculum for Pre-Primary Education 2014. Helsinki: Next Print Oy (Digital publication)
Finnish National Agency for Education (2017). National core curriculum for Chilhood Education and Care 2016. Helsinki: Next Print Oy (Digital publication)
Finnish National Agency for Education (2017). National core curriculum for Childhood Education and Care 2016. Helsinki: Next Print Oy (Digital publication)
Finnish National Agency for Education (2018). Education in Finland. Obtido de https://www.oph.fi/download/175015_education_in_Finland.pdf
 Population Register Centre (s/d). EEVERTTI extranet. Obtido de https://vrk.fi/en/frontpage 

Sobre os erros em programação

Quando se inclui a programação nas aulas, os erros são muitíssimo frequentes. Quando não se é profissional de programação, é fácil ficar-se ...