No futuro, será necessário estudar mais ou menos matemática? E que tipo de matemática? A trilogia clássica Algebra-Geometria-Análise? Ou outros temas serão necessários? O Grupo de Trabalho de Matemática debruçou-se sobre esta questão, a partir de vários relatórios internacionais.
O Grupo de Trabalho de Matemática foi constituído em 2018 pelo Despacho n.º 12530/2018, de 28 de dezembro para "proceder à análise do fenómeno do insucesso, tendo em vista a elaboração de um conjunto de recomendações sobre a disciplina de Matemática - ensino, aprendizagem e avaliação."
Aqui é reproduzido o parágrafo 9.3.3 do capítulo 9 (p. 254-259) do documento Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática (1.ª versão - 30 de junho de 2019), elaborado pelo Grupo de Trabalho de Matemática, que está em discussão pública até 12 de outubro, sendo que os comentários e sugestões devem ser enviados para a Direção Geral da Educação para o endereço dsdc@dge.mec.pt.
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Várias instituições a nível mundial têm
desenvolvido estudos no sentido de antecipar as necessidades futuras de
diferentes capacidades e competências para o mercado de trabalho. Considerámos
aqui vários estudos, a saber: OCDE; Bill & Melinda Gates Foundation (BMGF),
associada à Chan Zuckerberg Initiative; Institute For the Future (IFTF); World
Economic Forum (WEF); e McKinsey Global Institute (MGI).
O diretor do serviço de Educação e
Competências[1] da OCDE,
Andreas Schleicher, assinala que, relativamente às necessidades dos futuros
profissionais para o ano 2030, “Encaramos desafios sem precedentes – sociais,
económicos e ambientais – suscitados pela rápida globalização e por uma taxa
acelerada de desenvolvimentos tecnológicos” (OECD, 2018, p. 2).
Ao prospetar a educação para 2030, a OCDE
pretende dar resposta a duas questões de grande alcance:
· De que conhecimentos, capacidades, atitudes e
valores precisarão os alunos atuais para prosperarem e moldarem o seu mundo?
· Como podem os sistemas educativos desenvolver
estes conhecimentos, capacidades, atitudes e valores de forma eficaz? (OECD,
2018, p. 2)
O IFTF coloca questões semelhantes:
A
conectividade global, as máquinas inteligentes, e os novos meios de
comunicação, são alguns dos fatores que estão a mudar a nossa perceção sobre o
trabalho, e as competências exigíveis para se ser eficaz no futuro. (Davies,
Fidler & Gorbis, 2011, p. 1)
O objetivo principal do IFTF é analisar quais
são as competências que devem ser consideradas fundamentais para o mercado de
trabalho[2] que serão
importantes nos próximos dez anos. O relatório MGI (2018) divide as
necessidades do mercado de trabalho em cinco classes de capacidades: Físicas e
manuais; Cognitivas básicas; Cognitivas superiores; Sociais e emocionais; e
Tecnológicas. Para as duas primeiras classes, prevê que no futuro haja uma
menor procura de trabalhadores com estas caraterísticas, enquanto para as três
restantes prevê um aumento.
A BMGF tem tentado nos últimos anos obter
respostas para os três desafios seguintes, dizendo o segundo explicitamente
respeito à Matemática:
· [Como] preparar os alunos que terminam o ensino secundário para uma
escrita não-ficcional, tão necessária no e
no mundo do trabalho, desenvolvendo hábitos, competências e estratégias
adequadas?
· [Como] preparar todos os alunos para a compreensão e aplicação de
competências e conhecimentos matemáticos, bem como para o desenvolvimento de
atitudes adequadas?
· [Como] melhorar as capacidades de todos os alunos para que pensem de
forma flexível, saibam trabalhar com ideias variadas, e regulem o seu
pensamento e ações? (BMGF, 2019, p. 8)
A BMGF, considerando que existem graves
problemas com os três desafios que identificou, solicitou a colaboração de
diversas instituições e especialistas de todo o mundo, alegando que:
O bom desempenho nestas três áreas é importante para o sucesso do
estudante na escola, no trabalho e ao longo da sua vida. E os estudantes que
encaram traumas de infância, pobreza, sem abrigo, desafios de aprendizagens
particulares, ou estão em escolas com financiamento insuficiente podem estar
especialmente em risco de não desenvolver estas competências essenciais. (BMGF, 2019, p. 8)
O relatório
do WEF (2018) perspetivando as capacidades que um trabalhador deve possuir no
futuro, aponta como fundamentais as seguintes: “Pensamento analítico e
inovação; Aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem; Criatividade,
originalidade e iniciativa; Design e programação de tecnologia; Pensamento
crítico e análise; Resolução de problemas complexos; Liderança e influência
social; Inteligência emocional; Raciocínio, resolução de problemas e ideação; e
Análise e avaliação de sistemas” (WEF, 2018, p. 12).
E em
acelerado declínio, embora algumas delas sejam estruturalmente importantes,
Destreza manual, resistência e precisão; Capacidades
de memória, verbais, auditivas e espaciais; Gestão de recursos financeiros e
materiais; Instalação e manutenção de tecnologia; Ler, Escrever, Contar e
Audição atenta; Gestão de pessoal; Controle de qualidade e consciencialização
sobre segurança; Coordenação e gestão de tempo; Capacidades visuais, auditivas
e de fala; Uso, monitorização e controle de tecnologia. (WEF, 2018, p. 12)
A OCDE (OECD, 2018) refere que os alunos
devidamente preparados para o futuro precisam de ser mais interventivos[3], tanto ao
nível da sua educação, como ao nível da sua vida particular. Nesse sentido propõe
a ideia de coação[4] para
exprimir que a aprendizagem deve ser feita num ambiente alargado onde se tem
que considerar a interação com o ambiente onde se insere, não só os
professores, mas também os seus pares, as famílias e as comunidades. E nesta
perspetiva todos estão a aprender, alunos, professores, dirigentes escolares,
pais e comunidades em geral (OECD, 2018).
Considera-se igualmente importante o conceito
de competência que “(…) implica mais do que apenas a aquisição de conhecimento
e capacidades; envolve a mobilização de conhecimentos, capacidades, atitudes e
valores para ir ao encontro de exigências complexas” (OECD, 2018, p. 5). Esta
perspetiva, que se assume como sendo exigente e formadora, enfrenta cinco
desafios identificados pela OCDE:
1.
Confrontadas
com as necessidades e pedidos de pais, universidades e empregadores, as escolas
estão a enfrentar uma sobrecarga curricular[5].
Como resultado, os estudantes têm frequentemente falta de tempo suficiente para
dominar conceitos-chave das disciplinas ou para ter uma vida equilibrada, para
alimentar amizades, dormir e fazer exercício. É tempo de mudar o foco dos
nossos estudantes de “mais horas para aprendizagem” para “tempo de aprendizagem
de qualidade”.
2.
As
reformas curriculares sofrem de tempos diferidos entre reconhecimento, tomada
de decisões, implementação e impacto. O espaço entre as intenções do currículo
e os resultados de aprendizagem é geralmente demasiado grande.
3.
O conteúdo
deve ser de alta qualidade para os estudantes se poderem empenhar na aprendizagem
e adquirir uma compreensão profunda.
4.
O
currículo deve assegurar a equidade ao mesmo tempo que inova; todos os
estudantes, não apenas alguns, devem beneficiar das mudanças sociais,
económicas e tecnológicas.
5.
Um
planeamento e estrutura perspetivados com cuidado são igualmente importantes
para uma implementação eficaz das reformas. (OECD, 2018, p. 6)
Para conseguir responder de forma satisfatória
a estes desafios, a OCDE avança com uma série de princípios para a elaboração
de um currículo, dos quais se destacam os seguintes:
FOCO:
Um número relativamente pequeno de tópicos deve ser introduzido em cada nível
para assegurar a profundidade e a qualidade da aprendizagem dos estudantes.
ESTRUTURA:
O currículo deve estar bem estruturado e de acordo com as práticas de ensino e
avaliação.
ESCOLHA:
Aos alunos deve ser oferecido um conjunto alargado de tópicos e projetos
opcionais.
AUTENTICIDADE:
Os estudantes devem ser capazes de relacionar as suas experiências de
aprendizagem com o mundo real e ter um sentido da finalidade da sua
aprendizagem. Isto requer interdisciplinaridade e aprendizagem colaborativa alinhadas
com o domínio do conhecimento disciplinar.
EMPENHAMENTO:
Professores, alunos e outros parceiros relevantes devem ser envolvidos desde
muito cedo no desenvolvimento do currículo, para assegurar o sentimento de
coautoria na implementação. (OECD, 2018, p. 7)
O IFTF inclui entre as competências chave para o mercado de trabalho
as seguintes:
PENSAMENTO
COMPUTACIONAL: capacidade de traduzir grandes conjuntos de dados em conceitos
abstratos e compreender o raciocínio baseado nos dados, estando igualmente
ciente das suas limitações, sendo que mesmo os melhores modelos são
aproximações da realidade e não a própria realidade. (Davies et al., 2011, p.
10)
TRANSDISCIPLINARIDADE:
literacia e capacidade de compreender conceitos através de múltiplas
disciplinas; é preciso educar investigadores para que consigam falar a língua
de múltiplas disciplinas – biólogos que tenham compreensão da matemática e
matemáticos que compreendam a biologia; o trabalhador ideal da próxima geração
deve compreender profundamente pelo menos um campo, mas deve ter igualmente a
capacidade de conversar na linguagem de um vasto campo de disciplinas. (Davies
et al., 2011, p. 11)
A interdisciplinaridade e aprendizagem
colaborativa, aliados ao domínio do conhecimento disciplinar, é uma dimensão
comum aos dois documentos: OCDE (2018) e IFTF (2011).
A BMGF identificou igualmente alguns
constrangimentos importantes:
•
Apesar da
investigação indicar que em muitos casos o ensino da matemática dá pouca ênfase
à construção de competências de resolução de problemas, os trabalhos dos
estudantes e as aulas focam-se sobretudo em procedimentos e cálculos
rotineiros.
•
A resposta
que os estudantes recebem relativamente às suas avaliações não os ajuda a
emendar os erros e as ferramentas tecnológicas limitam-se muitas vezes a
respostas do tipo certo/errado ou de escolha múltipla em que não se consegue
perceber o raciocínio dos alunos.
•
Frequentemente
os estudantes não têm oportunidades suficientes de uma prática matemática
autêntica e de discussões à volta de pensamentos matemáticos complexos e por
isso as suas conceções erradas não são identificadas e muito menos corrigidas.
•
Apesar da
matemática estar interrelacionada com a ciência e com muitas outras
disciplinas, os estudantes têm poucas oportunidades de integrar conceitos e de
estabelecer conexões entre temas.
•
Os alunos
aprendem os conceitos de forma mais profunda quando são encorajados a falhar e
tentar de novo e quando têm oportunidades de explorar múltiplas formas de
abordar problemas ou de ver a matemática em contextos reais, mas isso acontece
raramente na sala de aula. (BMGF,
2019, p. 15)
Várias respostas são apresentadas pela BMGF,
embora se reconheça que para muitas questões ainda se espera por uma solução
satisfatória. Dois aspetos sobressaem:
•
Modificar
a atividade na sala de aula para responder melhor às expetativas e necessidades
dos estudantes, criando oportunidades para que estes se empenhem em discussões
à volta de problemas que suscitem o seu interesse e os ajudem a desenvolver uma
relação positiva com a Matemática. (BMGF,
2019, p. 17)
•
Dar formação
científica profunda em Matemática e em Teorias de Aprendizagem aos professores
de modo que estes se sintam confiantes e capazes de diversificar as suas
abordagens e experimentar novas estratégias na sala de aula de modo a
conseguirem dar resposta a alunos com capacidades de proficiência
multivariadas. (BMGF, 2019, p. 19)
Os relatórios do WEF (2018) e da MGI (2018)
apontam igualmente para a importância no futuro de as pessoas em geral sejam
dotadas de competências cognitivas elevadas, como seja possuírem pensamento
crítico, serem criativos e terem poder de decisão; adquiram competências
sociais, como comunicar e saber negociar com os outros, empatia, aprenderem ao
longo da vida, e serem facilmente adaptáveis; e, saberem enfrentar os desafios
associados à tecnologia, nomeadamente análise de informação e programação.
No que respeita à Matemática, a OCDE (OECD,
s/d) partindo de um novo referencial para o PISA em que à resolução de
problemas se acrescenta o raciocínio matemático, define como capacidades relevantes
em Matemática para o século XXI, o pensamento crítico, a criatividade, a
literacia digital, o pensamento sistémico, a comunicação, a reflexão
(metacognição) e a persistência/resiliência (Schmidt, s/d).
Em jeito de conclusão, é absolutamente inequívoco que
a Matemática é e será uma disciplina incontornável na formação de qualquer
cidadão, em especial na sua preparação para o mundo do trabalho. Um currículo
que responda a essa exigência deve ser: pouco extenso; relevante e flexível;
envolver todos os parceiros na sua construção; prever o desenvolvimento de
competências de resolução de problemas, de raciocínio matemático e de trabalho
com situações da vida real, nomeadamente privilegiando o tratamento e
interpretação de dados, bem como o pensamento crítico; e dar oportunidades
diversificadas a todos os alunos para que se sintam confortáveis na abordagem a
problemas cuja resolução requeira Matemática.
Referências
BMGF - Bill & Melinda Gates Foundation (2019). Education Research &
Development: Learning
From the Field. Obtido de
http://k12education.gatesfoundation.org/researchanddevelopment/
Davies, A., Fidler, D.,
& Gorbis, M. (2011). Future work
skills 2020. California: Institute for the Future for the University of
Phoenix Research Institute, Palo Alto,. Obtido de www.iftf.org
MGI – Mckinsey Global Institute (2018). Skill
Shift: Automation and the Future of the Workforce. Nova Iorque.
OECD (2018). The Future of Education and Skills 2030.
Paris: OECD Publishing.
OECD (s/d) Future of Education and Skills for 2030, Curriculum analysis. Obtido de http://www.oecd.org/education/2030-project/curriculum-analysis/
Schmidt, W. (s/d). 21st Century
mathematics curriculum framework. Material distribuído em sessões de
trabalho no âmbito do OECD 2030 Mathematics curriculum document analysis
project (MCDA) (não publicado)
World Economic Forum [WEF] (2018). The
Future of Jobs Report 2018. CH-1223 Cologny/Geneva. Switzerland.