sexta-feira, 20 de julho de 2018

Entrevista - DN Madeira - 9/07/2018

Diário de Notícias (Madeira): “Actuais programas de Matemática são completamente inadequados”

Jaime Carvalho e Silva, professor da Universidade de Coimbra

09 Jul 2018


1.     Vem à Madeira na próxima semana para falar com os professores da Região e para participar no Encontro de Professores de Matemática. Quais as suas expectativas?
R: Não é a primeira vez que vou a um encontro à Madeira. Já aí estive em ações de formação, em encontros regionais da SPM e da APM, em conferências em escolas para professores e para alunos (tenho muito boas recordações por exemplo de uma conferência para alunos que dei na escola de Câmara de Lobos). Conheço por isso um pouco das condições de trabalho e das expectativas e sei que os professores são particularmente ativos e interessados por isso espero uma participação muito ativa.

2.     Numa região insular como é a Madeira, com características muito próprias, acha que os desafios dos professores são outros?
R: Obviamente que há diferenças e por isso as intervenções têm de ser elaboradas tendo em atenção essas características. Podemos por exemplo comparar o desempenho da RAM no estudo PISA entre 2000 e 2015. Em 2000 era a região NUT com pior desempenho de Portugal e em 2015 já está alinhada com a média nacional, o que é tanto mais importante quanto se sabe que entre 2000 e 2015 o desempenho de Portugal subiu bastante.
Comparem-se os seguintes gráficos retirados dos respetivos documentos oficiais:
 
PISA 2000
 
 
 PISA 2015

3.     E ao nível do ensino? O que é que a Madeira mais necessita e onde é exemplo para o país?
Obviamente que há coisas melhores e outras não tanto, mas vejo muito mais empenho na RAM na formação contínua de professores e em atividades escolares fora da sala de aula de que é exemplo o investimento no Desporto Escolar como é atestado pela Festa do Desporto Escolar (sem paralelo no Continente).

4.     Ainda na edição de hoje do nosso Diário de Notícias, noticiamos que no 3º Ciclo do Ensino Básico é na disciplina de Matemática que os alunos revelam ter maiores dificuldades, chegando ao ponto de 35,7% dos alunos do 9º ano terminarem o 3º ciclo com negativa a essa disciplina. A Matemática ainda é um ‘bicho papão’ para muitos dos alunos portugueses?
“Bicho Papão” não é, pois vou repetidamente às escolas fazer conferências sobre Matemática e a receção é muito boa. Mas os atuais programas oficiais de Matemática (as chamadas Metas Curriculares) são completamente inadequados e estão a originar uma rejeição terrível da Matemática por parte dos jovens estudantes. Há que fazer alguma coisa. Por outro lado, as estruturas escolares de apoio são insuficientes e muitos alunos vão acumulando deficiências e o insucesso torna-se inevitável. Um estudo recente provou que a simples reprovação agrava o problema do insucesso em vez de o resolver.

5.     O que fazer para mudar o paradigma?
É possível fazer muitas coisas evidenciado a importância da Matemática na nossa vida atual, desde as questões associadas aos métodos eleitorais até à importância e dificuldades dos estudos estatísticos, desde a complicação de uma previsão meteorológica até à evolução da economia, desde os vírus informáticos até à teoria matemática dos jogos. Para isso é preciso produzir materiais pedagógicos adequados e atuais, fazer formação de professores, intervir a nível da comunicação social para difundir ideias e histórias significativas (o que é possível pois um programa como “Isto é Matemática” da SIC é um enorme sucesso). Mas sobretudo é preciso ter programas escolares que não sejam extensos e permitam que os professores tenham tempo para trabalhar efetivamente com os alunos dentro e fora da sala de aula.

6.     Há quem diga que os programas actuais da disciplina não são os melhores. Concorda?
Já na altura em que as Metas Curriculares estiveram em discussão chamei a atenção para os perigos desses programas, com abstração exagerada e extensão inacreditável que os classificam como os mais áridos e extensos de toda a Europa, EUA e Ásia. Com os contactos que tenho tido nas escolas concluo sem margem para dúvidas que a generalidade dos professores está a ter enormes dificuldades em passar este programa para a prática, sendo obrigados a simplificações que na realidade significam que o programa não é lecionado nem de forma aproximada.

7.     O exame nacional do ensino secundário de matemática feito na passada semana levantou muitas críticas. Acha que os exames feitos nestes moldes são justos?
Como já venho a chamar a atenção há 3 anos, tendo mudado o programa do ensino secundário no 10º ano há 3 anos atrás, devia haver instruções claras sobre o exame do 12º ano (que inclui os programas do 10º, 11º e 12º anos). Defendi também reiteradamente a elaboração de uma prova modelo para “descansar” os estudantes sobre o que os esperava no exame. Como se verificou, os alunos foram surpreendidos pelo tipo de prova que encontraram e os resultados vão ficar afetados por essa questão e não vão refletir o real valor dos alunos. Também há muito tempo que defendo que os alunos deveriam poder ir livremente às duas fases do exame e ficar com a melhor das notas, minimizando assim eventuais problemas externos pontuais com os exames (na Finlândia os alunos podem ir a três épocas de exame diferentes).

8.     E os rankings das escolas feitos com base nas notas dos exames? São ou não redutores para o trabalho desenvolvido pelas escolas, pelos professores e pelos alunos?
Os rankings são muito redutores e as indicações que dão são quase completamente inúteis.

9.     É coordenador do grupo de trabalho para análise dos programas dos Ensinos Básico e Secundário. Pode levantar o véu sobre o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido a esse nível?
O trabalho ainda está numa fase muito preliminar, mas vamos tentar fazer um apanhado do que se sabe a partir dos muitos relatórios nacionais e internacionais já elaborados em Portugal e sobre Portugal e a partir daí promover um debate público que envolva todos os interessados.

10.  Qual a sua opinião sobre a actual escola e ensino em Portugal?
Podia ser melhor, mas não está tão mal como por vezes se diz. Com efeito, quando os estudantes portugueses vão para o estrangeiro causam muito boa impressão e os licenciados portugueses têm emprego assegurado em toda a Europa! Os estudantes portugueses atingem um bom nível em muitas competições científicas na Europa e no mundo pelo que o nosso nível não é tão mau como o pintam.

11.  Ainda há níveis elevados de insucesso escolar e há cada vez mais alunos desmotivados.  Que medidas se poderão implementar para melhorar estas situações?
Já tivemos a funcionar em Portugal um plano que deu muito bons resultados. Com efeito, o assim chamado Plano da Matemática que vigorou entre 2006 e 2009, segundo uma avaliação efetuada em 2010, fez com que se registassem “alterações importantes ao nível das práticas letivas e das aprendizagens, permitindo construir um novo modo de olhar a disciplina de Matemática na comunidade educativa em geral”. Se esse ou um programa semelhante for retomado certamente que a situação melhorará de novo.

12.  O funcionamento das escolas poderá ser melhorado? Medidas como os currículos alternativos ou o famoso modelo finlandês, poderão ser panaceias?
Poderá certamente ser melhorado. Um modelo que seja adequado à nossa situação precisa de ser discutido com todos os parceiros e ser bem entendido e aplicado de forma sustentada. Noutros países há bons exemplos que nos podem servir de inspiração.

13.  Temos também uma classe docente algo desmotivada, com os problemas ao nível da instabilidade profissional (muitos professores contratados) e com o congelamento das carreiras. Os problemas do ensino também têm uma relação directa com essa desmotivação?
Obviamente. A qualidade de qualquer sistema educativo está diretamente ligada à qualidade da formação inicial e contínua de professores. Quando os professores não estabilizam e andam preocupados com questões administrativas ou de carreira tudo o resto fica prejudicado.

14.  Qual é o futuro da educação e do ensino em Portugal?

Acho que teremos um futuro brilhante se investirmos de forma planeada e coerente na Educação. Isto não significa ter necessariamente e apenas mais dinheiro para investir, mas investir de forma racional e organizada e sem exibicionismos ou desperdícios.

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