Diário de Notícias (Madeira): “Actuais programas de Matemática são completamente inadequados”
Jaime Carvalho e Silva, professor da Universidade de Coimbra
09 Jul 2018
1.
Vem à Madeira na próxima semana
para falar com os professores da Região e para participar no Encontro de
Professores de Matemática. Quais as suas expectativas?
R: Não é a primeira vez que vou a um encontro
à Madeira. Já aí estive em ações de formação, em encontros regionais da SPM e
da APM, em conferências em escolas para professores e para alunos (tenho muito
boas recordações por exemplo de uma conferência para alunos que dei na escola
de Câmara de Lobos). Conheço por isso um pouco das condições de trabalho e das
expectativas e sei que os professores são particularmente ativos e interessados
por isso espero uma participação muito ativa.
2.
Numa região insular como é a
Madeira, com características muito próprias, acha que os desafios dos
professores são outros?
R: Obviamente que há diferenças e por isso as
intervenções têm de ser elaboradas tendo em atenção essas características.
Podemos por exemplo comparar o desempenho da RAM no estudo PISA entre 2000 e
2015. Em 2000 era a região NUT com pior desempenho de Portugal e em 2015 já
está alinhada com a média nacional, o que é tanto mais importante quanto se
sabe que entre 2000 e 2015 o desempenho de Portugal subiu bastante.
Comparem-se os seguintes gráficos retirados
dos respetivos documentos oficiais:
PISA 2000
PISA 2015
3.
E ao nível do ensino? O que é que
a Madeira mais necessita e onde é exemplo para o país?
Obviamente que há coisas melhores e outras não
tanto, mas vejo muito mais empenho na RAM na formação contínua de professores e
em atividades escolares fora da sala de aula de que é exemplo o investimento no
Desporto Escolar como é atestado pela Festa do Desporto Escolar (sem paralelo
no Continente).
4.
Ainda na edição de hoje do nosso
Diário de Notícias, noticiamos que no 3º Ciclo do Ensino Básico é na disciplina
de Matemática que os alunos revelam ter maiores dificuldades, chegando ao ponto
de 35,7% dos alunos do 9º ano terminarem o 3º ciclo com negativa a essa
disciplina. A Matemática ainda é um ‘bicho papão’ para muitos dos alunos
portugueses?
“Bicho Papão” não é, pois vou repetidamente às
escolas fazer conferências sobre Matemática e a receção é muito boa. Mas os
atuais programas oficiais de Matemática (as chamadas Metas Curriculares) são
completamente inadequados e estão a originar uma rejeição terrível da
Matemática por parte dos jovens estudantes. Há que fazer alguma coisa. Por
outro lado, as estruturas escolares de apoio são insuficientes e muitos alunos
vão acumulando deficiências e o insucesso torna-se inevitável. Um estudo
recente provou que a simples reprovação agrava o problema do insucesso em vez
de o resolver.
5.
O que fazer para mudar o
paradigma?
É possível fazer muitas coisas evidenciado a
importância da Matemática na nossa vida atual, desde as questões associadas aos
métodos eleitorais até à importância e dificuldades dos estudos estatísticos,
desde a complicação de uma previsão meteorológica até à evolução da economia,
desde os vírus informáticos até à teoria matemática dos jogos. Para isso é
preciso produzir materiais pedagógicos adequados e atuais, fazer formação de
professores, intervir a nível da comunicação social para difundir ideias e
histórias significativas (o que é possível pois um programa como “Isto é
Matemática” da SIC é um enorme sucesso). Mas sobretudo é preciso ter programas escolares
que não sejam extensos e permitam que os professores tenham tempo para
trabalhar efetivamente com os alunos dentro e fora da sala de aula.
6.
Há quem diga que os programas
actuais da disciplina não são os melhores. Concorda?
Já na altura em que as Metas Curriculares estiveram
em discussão chamei a atenção para os perigos desses programas, com abstração
exagerada e extensão inacreditável que os classificam como os mais áridos e
extensos de toda a Europa, EUA e Ásia. Com os contactos que tenho tido nas escolas
concluo sem margem para dúvidas que a generalidade dos professores está a ter
enormes dificuldades em passar este programa para a prática, sendo obrigados a
simplificações que na realidade significam que o programa não é lecionado nem
de forma aproximada.
7.
O exame nacional do ensino
secundário de matemática feito na passada semana levantou muitas críticas. Acha
que os exames feitos nestes moldes são justos?
Como já venho a chamar a atenção há 3 anos,
tendo mudado o programa do ensino secundário no 10º ano há 3 anos atrás, devia
haver instruções claras sobre o exame do 12º ano (que inclui os programas do
10º, 11º e 12º anos). Defendi também reiteradamente a elaboração de uma prova
modelo para “descansar” os estudantes sobre o que os esperava no exame.
Como se verificou, os alunos foram surpreendidos pelo tipo de prova que
encontraram e os resultados vão ficar afetados por essa questão e não vão
refletir o real valor dos alunos. Também há muito tempo que defendo que os
alunos deveriam poder ir livremente às duas fases do exame e ficar com a melhor
das notas, minimizando assim eventuais problemas externos pontuais com os
exames (na Finlândia os alunos podem ir a três épocas de exame diferentes).
8.
E os rankings das escolas feitos
com base nas notas dos exames? São ou não redutores para o trabalho
desenvolvido pelas escolas, pelos professores e pelos alunos?
Os rankings são muito redutores e as
indicações que dão são quase completamente inúteis.
9.
É coordenador do grupo de trabalho para análise dos programas dos Ensinos Básico
e Secundário. Pode levantar o véu sobre o trabalho que tem vindo a ser
desenvolvido a esse nível?
O trabalho ainda está numa fase muito preliminar,
mas vamos tentar fazer um apanhado do que se sabe a partir dos muitos
relatórios nacionais e internacionais já elaborados em Portugal e sobre
Portugal e a partir daí promover um debate público que envolva todos os
interessados.
10. Qual
a sua opinião sobre a actual escola e ensino em Portugal?
Podia ser melhor, mas não está tão mal como
por vezes se diz. Com efeito, quando os estudantes portugueses vão para o
estrangeiro causam muito boa impressão e os licenciados portugueses têm emprego
assegurado em toda a Europa! Os estudantes portugueses atingem um bom nível em
muitas competições científicas na Europa e no mundo pelo que o nosso nível não
é tão mau como o pintam.
11. Ainda
há níveis elevados de insucesso escolar e há cada vez mais alunos
desmotivados. Que medidas se poderão
implementar para melhorar estas situações?
Já tivemos a funcionar em Portugal um plano
que deu muito bons resultados. Com efeito, o assim chamado Plano da Matemática
que vigorou entre 2006 e 2009, segundo uma avaliação efetuada em 2010, fez com
que se registassem “alterações importantes ao nível das práticas letivas e das
aprendizagens, permitindo construir um novo modo de olhar a disciplina de
Matemática na comunidade educativa em geral”. Se esse ou um programa semelhante
for retomado certamente que a situação melhorará de novo.
12. O
funcionamento das escolas poderá ser melhorado? Medidas como os currículos
alternativos ou o famoso modelo finlandês, poderão ser panaceias?
Poderá certamente ser melhorado. Um modelo que
seja adequado à nossa situação precisa de ser discutido com todos os parceiros
e ser bem entendido e aplicado de forma sustentada. Noutros países há bons
exemplos que nos podem servir de inspiração.
13. Temos
também uma classe docente algo desmotivada, com os problemas ao nível da
instabilidade profissional (muitos professores contratados) e com o
congelamento das carreiras. Os problemas do ensino também têm uma relação directa
com essa desmotivação?
Obviamente. A qualidade de qualquer sistema
educativo está diretamente ligada à qualidade da formação inicial e contínua de
professores. Quando os professores não estabilizam e andam preocupados com
questões administrativas ou de carreira tudo o resto fica prejudicado.
14. Qual
é o futuro da educação e do ensino em Portugal?
Acho que teremos um futuro brilhante se
investirmos de forma planeada e coerente na Educação. Isto não significa ter
necessariamente e apenas mais dinheiro para investir, mas investir de forma
racional e organizada e sem exibicionismos ou desperdícios.