A OCDE publicou em dezembro de 2024 um documento dedicado especialmente ao currículo de Matemática em que se
"Apresenta uma análise internacional dos currículos de matemática com o objectivo de apoiar os países nos seus esforços de reforma curricular."
Este relatório foi produzido no âmbito das atividades da OCDE pelo projeto "Future of Education and Skills 2030 (Education 2030)", que, quase até ao final e enquanto a saúde lhe permitiu, foi produzido por William H. Schmidt (Michigan State University). Em particular, em 2022 foi publicado um relatório de trabalho intitulado "When practice meets policy in mathematics education: A 19 country/jurisdiction case study", cuja leitura se recomenda.
O relatório agora publicado é extremamente importante pois as preocupações com a renovação do currículo de Matemática são comuns à grande maioria dos países, incluindo da OCDE, de que Portugal é um membro ativo. Este documento, tal como a OCDE, defende que a "modernização dos currículos de matemática é crucial" para os países da OCDE e chama a atenção para importância de "um currículo orientado para o futuro".
Atendendo à sua importância vamos aqui apresentar uma tradução (da responsabilidade do autor desta entrada) do sumário executivo do relatório; para clarificação informo que o autor desta entrada do blogue participou nalgumas reuniões preparatórias de elaboração do presente documento, nomeadamente três reuniões com o Professor William Schmidt.
À medida que os decisores políticos globais navegam pelo cenário social, económico e tecnológico em evolução, a modernização dos currículos de matemática é crucial. Um currículo orientado para o futuro equipa os alunos com as competências necessárias para as áreas pessoal e profissional, sem sobrecarregar alunos e educadores. Este relatório:
• apresenta o estado atual do desenho curricular em matemática, identificando desafios e oportunidades de transformação (Capítulo 1);
• analisa a evolução dos currículos de matemática ao longo de 25 anos, destacando a integração de competências e identificando as lacunas curriculares (Capítulo 2);
• analisa as conclusões do projeto Futuro da Educação e das Competências 2030 da OCDE (“OECD Future of Education and Skills 2030”), explorando as implicações para o desenvolvimento do currículo de matemática (Capítulo 3);
• propõe princípios para o desenho curricular para atender às necessidades do século XXI, enfatizando a integração do pensamento crítico, da resolução de problemas e da literacia digital (Capítulo 4).
O Capítulo 1 discute as necessidades do século XXI que impulsionam a transformação nos currículos de matemática, com base nas descobertas do exercício da OCDE com o Mapeamento de Conteúdos Curriculares E2030 (“E2030 Curriculum Content Mapping”). Revela como os currículos de matemática do ensino secundário inferior (3º Ciclo do Ensino Básico em Portugal) em vários países integram competências em comparação com outras disciplinas. Competências essenciais como a literacia, o pensamento crítico e a resolução de problemas estão amplamente incorporadas nos currículos de matemática, que são vitais para o desenvolvimento cognitivo e aplicações no mundo real, enquanto outras, como a empatia, a confiança, a responsabilidade e a co-agência, são menos enfatizadas. O Capítulo 1 destaca também os desafios que os governos enfrentam na reforma dos currículos de matemática, incluindo a natureza hierárquica e progressiva da disciplina.
O Capítulo 2 analisa a evolução dos currículos de matemática nos diferentes países ao longo de 25 anos, utilizando os dados do estudo E2030 Análise Curricular Documental em Matemática (“E2030 Mathematics Curriculum Document Analysis” (MCDA)). Destaca o crescente foco no raciocínio matemático e na estatística nos currículos modernos, particularmente nos primeiros oito anos de escolaridade. Os dados exploram a forma como os países estruturam e distribuem o conteúdo entre os anos de escolaridade, com alguns sistemas de alto desempenho a escolher um currículo focado (menos tópicos para uma aprendizagem mais profunda), enquanto outros adotam currículos mais amplos. O capítulo identifica lacunas entre as orientações curriculares e os manuais escolares, especialmente no que diz respeito ao fomento do pensamento de ordem superior, o que pode prejudicar as intenções políticas.
O Capítulo 3 exemplifica considerações para os currículos de matemática com base em cinco relatórios temáticos sobre análises curriculares do projeto Futuro da Educação e Competências (“Future of Education and Skills”) 2030 da OCDE, explorando:
• O que os alunos aprendem é importante - em direção a um currículo do século XXI: enfatizando as competências orientadas para o futuro, como o pensamento crítico, a criatividade e a agência dos alunos em matemática, para além do potencial dos currículos digitais para uma aprendizagem personalizada.
• Sobrecarga curricular - um caminho a seguir: abordar a sobrecarga curricular através de princípios de foco, rigor e coerência, garantindo que os alunos não são sobrecarregados e, ao mesmo tempo, reforçar conceitos matemáticos chave.
• Adaptar o currículo para preencher lacunas de equidade: explorar pedagogias inclusivas para apoiar alunos com dificuldades em matemática, promovendo métodos de ensino que aumentem o envolvimento.
• Incorporar valores e atitudes no currículo: destacar o papel de valores como o respeito, a colaboração e a persistência na redução da ansiedade matemática e na promoção de uma mentalidade de crescimento.
• Flexibilidade e autonomia curricular: examinar como as pedagogias podem ser adaptadas às diversas necessidades dos alunos, garantindo que a instrução se mantém flexível e responsiva.
O Capítulo 4 conclui com 12 princípios para redesenhar os currículos de matemática para ajudar os decisores políticos e os responsáveis pelo desenho do currículo a satisfazer as exigências sociais e tecnológicas emergentes. Destaca estratégias para equilibrar a profundidade e o rigor do conteúdo sem sobrecarregar os alunos e os educadores, fornecendo recursos para o desenvolvimento profissional dos professores e métodos para atender à diversidade dos alunos. Aborda também a importância de alinhar as avaliações nacionais com os currículos reformulados para garantir que a avaliação reflete tanto o desempenho no conteúdo como nas novas competências.
• A matemática é essencial para a inovação tecnológica, o crescimento económico e a coesão social. É essencial em áreas como a ciência de dados e a inteligência artificial para desenvolver algoritmos, estatísticas e reconhecimento de padrões. Além disso, o currículo moderno de matemática está a enfatizar cada vez mais a estatística, a literacia de dados e a literacia digital, refletindo a sua importância nas nossas sociedades tecnologicamente ricas e orientadas por dados.
• A modernização dos currículos de matemática é fundamental para preparar os alunos para um futuro dinâmico, equilibrando uma forte compreensão dos fundamentos com a introdução de novas competências, como a literacia de dados e o pensamento computacional.
• A matemática, muitas vezes considerada uma disciplina "difícil de mudar", está a sofrer uma transformação. Para além das áreas de conteúdos tradicionais, como a quantidade/operações, a geometria, e a medição, desenvolver o raciocínio matemático dos alunos tornou-se um objetivo fundamental para muitos sistemas educativos.
• A ênfase nos fundamentos cognitivos e metacognitivos essenciais — como a numeracia, a resolução de problemas, o pensamento crítico e a literacia — é evidente nos currículos do ensino secundário inferior (3º ciclo do Ensino Básico em Portugal), com um foco notável nos dados e na literacia digital, refletindo a importância de ajudar os alunos a navegar num ambiente tecnologicamente rico.
• Algumas das chamadas competências do século XXI – por exemplo empatia, confiança, responsabilidade e co-agência - são frequentemente menos enfatizadas nos currículos de matemática do ensino secundário inferior (3º ciclo do Ensino Básico em Portugal) e mais integradas nos currículos de humanidades, língua nacional e educação física.
• As escolhas das estruturas do currículo diferem entre os sistemas educativos: alguns países e jurisdições de alto desempenho concentram-se em menos tópicos para permitir uma aprendizagem mais profunda, enquanto outros adotam um currículo mais amplo, deixando espaço para uma maior autonomia dos professores.
• O desenho da estrutura do curriculo deve garantir que a matemática se mantém focada, desafiante e alinhada com as aplicações no mundo real para satisfazer as exigências em evolução da força de trabalho e da sociedade.
• A reforma curricular em matemática exige o alinhamento entre os currículos elaborados, os implementados e os alcançados. As divergências entre as intenções das política e a sua implementação na sala de aula — como as disparidades entre os objetivos curriculares e o conteúdo dos manuais escolares — devem ser abordadas para garantir uma reforma eficaz.+
• Um desenho curricular holístico deve integrar as ferramentas digitais, os temas interdisciplinares e a agência dos alunos, equipando os alunos com as competências para navegar num mundo em rápida mudança.
• O currículo, a pedagogia, o ambiente de aprendizagem, a formação de professores e a avaliação são essenciais para promover a equidade, garantindo que todos os alunos, incluindo os que têm dificuldades em matemática, têm oportunidades de se envolver significativamente com conceitos matemáticos, em particular, abordando a ansiedade matemática, cultivando a persistência e uma mentalidade exploratória e fomentando a confiança e a resiliência. A integração dos princípios do Design Universal para a Aprendizagem (Universal Design for Learning (UDL)) no currículo de matemática apoia este objetivo ao fornecer formas variadas e flexíveis para os alunos acederem, interagirem e demonstrarem a sua compreensão das ideias matemáticas. Equilibrar a profundidade do conteúdo com preocupação com a sobrecarga é um desafio significativo para os decisores políticos, que desejam garantir que os alunos compreendem completamente os conceitos matemáticos essenciais sem se sentirem sobrecarregados.
• Os recursos são essenciais para o sucesso da reforma curricular: os professores precisam de formação profissional contínua, de recursos selecionados e de ferramentas apropriadas para oferecer uma educação matemática de elevada qualidade.
• As avaliações, e os exames nacionais em particular, devem estar alinhados com os objetivos curriculares orientados para o futuro, garantindo que os exames não refletem apenas o domínio do conteúdo, mas também as competências emergentes necessárias para o sucesso no século XXI.
Sem comentários:
Enviar um comentário