O escritor russo Arkady Averchenko (1881-1925) escreveu um delicioso conto humorístico com este título, onde o jovem Semen Pantalikin se enfureceu com a Matemática ao não saber resolver o problema do teste decisivo apresentado pelo “pobre professor de Matemática, completamente desprovido de imaginação” pois isso implicou reprovação na disciplina: “Estou perdido! O meu pai dar-me-á uma sova em vez da espingarda prometida. Maldita Matemática!” E o que impediu o jovem Pantilikin de resolver o problema de Matemática? “O problema era demasiado abstracto para ele, que preferia as imagens concretas”. O problema começava com “Dois lavradores saíram do povoado A em direcção ao povoado B; o primeiro anda 4 quilómetros por hora e o segundo 5” enquanto o jovem Pantilikin pensava “Que é isto de lavradores primeiro e segundo? Por que não haveriam de dar-lhes nomes humanos? Chamarem-lhes por exemplo, João e Basílio talvez tivesse sido prosaico em excesso; mas por que os não baptizaram com nomes romanescos como Guilherme e Rodolfo?” Então o jovem reescreveu primeiro o problema de uma forma que se entendesse: “Antes de o sol dourar as copas dos gigantescos ‘baobabs’, de os pássaros das regiões tropicais despertarem nos seus ninhos, de os cisnes negros saírem dos enormes matagais de bambus australianos, Guilherme Bloker, o célebre bandido, terror de todo o país, pôs-se a caminho…”
Claro que com tanto romance, no fim não teve tempo sequer de reescrever completamente o problema, quanto mais de o resolver! Reprovado!
A história do jovem Pantilikin talvez seja mais emocionante que a de muitos jovens portugueses, mas o resultado acaba por ser o mesmo. Porquê? Já fiz parte de uma comissão que produziu um relatório intitulado “Diagnóstico e Propostas para a Matemática Escolar” que foi editado pelo Ministério da Educação, mas nenhuma medida chegou a ser implementada, por razões que nunca consegui descortinar. Recentemente uma muito mediática comissão denominada “Comissão para a Promoção do Estudo da Matemática e das Ciências” elaborou um relatório que nunca chegou a ser publicado, mas cujas recomendações circularam na internet; nenhuma recomendação foi implementada. Porquê? Haverá uma maldição (certamente ancestral) associada à disciplina de Matemática?
Em Portugal (e noutros países) os responsáveis caem muitas vezes na tentação de diminuir o lugar da Matemática nos currículos (“se não há Matemática não há insucesso”); raciocínio primitivo que leva a que, por exemplo, depois da recente reforma do ensino secundário, uma fracção significativa de futuros professores do 1º ciclo terminem a sua formação matemática no 9º ano (não necessariamente com nota positiva); depois pretende-se que os professores do 1º ciclo ensinem mais Matemática? E que professor pode ensinar aquilo de que não gosta (e necessariamente não entende)?
Antes de tentar perceber porque se revela a Matemática tão difícil, deveremos indagar se é ou não importante saber Matemática para além dos temas mais elementares abordados no Ensino Básico. Hoje em dia um cidadão é confrontado com gráficos de muitos tipos, com a necessidade de gerir rendimentos, impostos e empréstimos, com um sistema eleitoral que não sabe se deve ser alterado, com sondagens frequentemente contraditórias, com previsões sobre a evolução de epidemias ou do aquecimento global, etc, etc, etc. Não é possível que a Matemática de um Ensino Básico de 9 anos prepare um cidadão para a vida de hoje. E se a tudo isso adicionarmos a formação que prepare para o bom exercício de alguma profissão…
Temos então de concluir que a Matemática no ensino secundário precisa de ser estudada por todos (não necessariamente a mesma) e bastante para além do mínimo indispensável a um cidadão do século XXI. Sendo assim é preciso investir decididamente para ultrapassar as dificuldades do ensino secundário da Matemática. De forma coerente e sistemática, como infelizmente não tem acontecido em Portugal, nem nos últimos tempos nem em tempos mais recuados!
(texto publicado na revista "a página da educação", nº 143, Ano 14, Março 2005)

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