sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Curriculos internacionais - visão geral


Muitas vezes são invocadas revisões curriculares de outros países para apoiarou criticar revisões curriculares no nosso País. O Grupo de Trabalho de Matemática debruçou-se sobre esta questão.

O Grupo de Trabalho de Matemática foi constituído em 2018 pelo Despacho n.º 12530/2018, de 28 de dezembro para "proceder à análise do fenómeno do insucesso, tendo em vista a elaboração de um conjunto de recomendações sobre a disciplina de Matemática - ensino, aprendizagem e avaliação."

Aqui é reproduzido o apanhado sobre currúculos internacionais recentes contido no início do capítulo 6 (p. 118-120) do documento Recomendações para a melhoria das aprendizagens dos alunos em Matemática (1.ª versão - 30 de junho de 2019), elaborado pelo Grupo de Trabalho de Matemática, que está em discussão pública até 12 de outubro, sendo que os comentários e sugestões devem ser enviados para a Direção Geral da Educação para o endereço dsdc@dge.mec.pt.


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No âmbito do estudo TIMSS 2015, foi realizada uma análise sobre a evolução dos programas de Matemática e de Ciências dos 4.º e 8.º anos de escolaridade dos países que participaram neste estudo internacional, nos últimos 20 anos, de 1995 a 2015 (Mullis, Martin, & Loveless, 2016). Neste período de tempo, verificou-se que, em todos os países, os currículos sofreram reajustes ou foram reformulados. Na mesma linha, o relatório Eurydice (2012a) adianta que as revisões curriculares garantem a sua adequação às necessidades da sociedade e do mercado de trabalho:
Todos os países possuem um processo de revisão dos documentos orientadores que tem em conta vários dados e pareceres, incluindo os resultados da avaliação de alunos e as conclusões da avaliação das escolas. Este processo de revisão assegura que os conteúdos, os objetivos e os resultados da aprendizagem desta disciplina estão à altura dos desafios da sociedade moderna e das competências de que o mercado de trabalho necessita. (Eurydice, 2012, p. 27)

No que respeita à Matemática, é atribuído a este processo de revisão um caráter regular com o propósito de avaliar o currículo: “A revisão regular do currículo de Matemática e a monitorização do ensino e aprendizagem desta disciplina pretendem contribuir para verificar a pertinência dos objetivos educativos e assegurar que estão a ser obtidos os resultados desejados” (Eurydice, 2012, p. 31).
Neste processo de revisão, que para Portugal se refere ao Programa de 2007 (Ponte et al., 2007), as mudanças operadas na primeira década do século evidenciam a tendência generalizada da redução dos conteúdos matemáticos a estudar, passando a abordá-los de forma integrada:
Devido às revisões recentemente efetuadas, o conteúdo do currículo de matemática foi reduzido em muitos países. Além disso, os conteúdos dos planos de estudo sofreram igualmente uma transformação, deixando de ser uma lista de conceitos matemáticos específicos para dar lugar a um sistema integrado que desenvolve as capacidades de resolução de problemas utilizando princípios matemáticos. Na Estónia, Grécia, França, Itália, Portugal e Reino Unido, os novos currículos passaram, além disso, a incidir mais nas ligações transcurriculares e na interação da matemática com a filosofia, as ciências e a tecnologia. A ideia de que o conteúdo e as competências adquiridas na matemática servem de base à aprendizagem de outras disciplinas escolares também se generalizou. (Eurydice, 2012, p. 33)

Para além desta tendência, também é destacada outra igualmente generalizada, o de serem consideradas aptidões (skills) e competências (competences) matemáticas nos documentos curriculares, podendo-se encontrar nalguns deles referência a orientações metodológicas, como no caso de Portugal:
As competências matemáticas essenciais são mencionadas, pelo menos em termos gerais, no currículo ou noutros documentos orientadores, em quase todos os países europeus. Em quase metade dos sistemas educativos, apenas se fazem referências de caráter geral, mas em alguns deles (Dinamarca, Portugal e Listenstaine) também se sugerem métodos pedagógicos específicos para serem usados enquanto se ensinam tais aptidões o ensino de tais competências. (Eurydice, 2012b, p. 38)

Em 2015, muito embora continue a haver grande diversidade nos países em análise, em termos de orientações curriculares foram encontradas “mais semelhanças do que diferenças” (Mullis, Martin, & Loveless, 2016, p. 25). Em particular, os resultados deste estudo evidenciam semelhanças ao nível de: (i) quando se inicia o estudo da Matemática, (ii) integração das TIC, enquanto recurso importante para a aprendizagem matemática; (iii) capacidades matemática a privilegiar; e (iv) temas matemáticos a estudar.
Na maior parte dos países, a abordagem da Matemática inicia-se na Educação Pré-Escolar. É na tecnologia que se faz sentir a mudança mais alargada: “A mudança mais difundida nos currículos de Matemática e Ciências entre os países nas últimas duas décadas é a integração quase universal da tecnologia nos currículos dos países” (Mullis, Martin, & Loveless, 2016, p. 26). Cerca de 90% dos programas de 2015 dos países envolvidos no estudo relatam iniciativas para integrar a tecnologia no ensino e na aprendizagem da Matemática. Cerca de 80% dos países possuem medidas específicas tendo em vista a introdução da tecnologia no currículo de Matemática no 4.º ano. No 8.º ano, 93% dos países têm orientações para a integração da tecnologia nos currículos de Matemática.
No que diz respeito às capacidades, é dada grande importância à resolução de problemas e ao raciocínio/pensamento matemático. A maioria dos países que participou nos TIMSS 1995 e 2015 considerou nos respetivos currículos em vigor em 2015, para além da resolução de problemas, as capacidades de raciocínio e de comunicação, o que não acontecia em 1995 (Mullis, Martin, & Loveless, 2016). A comunicação matemática é uma competência a desenvolver em “quase todos os currículos e/ou documentos de orientação” (Eurydice, 2012a, p. 60). A memorização embora, com menos relevância nos currículos, continua a ser amplamente usada. A relação entre estratégias de memorização e resultados “sugere que, ou a memorização constitui uma estratégia ineficaz para a aprendizagem da Matemática, ou que os alunos mais fracos têm maior tendência para a utilizar” (Eurydice, 2012a, p. 61).
A Álgebra e a Geometria são os temas matemáticos que mais se destacam nos currículos. Para além disso, constata-se que foi antecipada a relevância do tema Tratamento ou Processamento de Dados e Estatística, passando a fazer frequentemente parte dos temas matemáticos do 4.º ano. Neste ano de escolaridade, três quartos dos países mencionam nos seus programas a necessidade de ler, interpretar e avaliar tabelas, gráficos de barras, pictogramas e gráficos circulares.
Por último, em 1995, o desenvolvimento de atitudes positivas era considerado um objetivo de aprendizagem. Em 2015, “não é dado um lugar proeminente às atitudes” (Mullis, Martin, & Loveless, 2016, p. 33) e o tipo de atitudes que surgem nos programas é muito variado, considerando tanto atitudes focadas na relação com a Matemática com outras mais gerais (por ex. perseverança, confiança, apreciação da beleza da Matemática, predisposição produtiva face à Matemática).





Eurydice. (2012b). Mathematics Education in Europe: Common Challenges and National Policies. Brussels: Education, Audiovisual and Culture Executive Agency P9 Eurydice. 
Eurydice. (2012). O Ensino da Matemática na Europa – Desafios Comuns e Políticas Nacionais. Lisboa: DGEE.
MCullis, S., & Martin, O. (Eds.), (2013). TIMSS 2015 Assessment frameworks. Boston College, TIMSS & PIRLS International Study Center. Obtido de http://timssandpirls.bc.edu/timss2015/frameworks.html 
Mullis, S. & Martin, O. (Eds.), (2014). TIMSS Advanced 2015 Assessment Frameworks. Retrieved from Boston College, TIMSS & PIRLS International Study Center. Obtido de http://timssandpirls.bc.edu/timss2015-advanced/frameworks.html
Mullis, I. V. S., Martin, M. O., & Loveless, T. (2016a). 20 Years of TIMSS: International trends in Mathematics and Science achievement, curriculum, and instruction. Boston College, Chestnut Hill, MA: TIMSS & PIRLS International Study Center. Obtido de http://timss2015.org/timss2015/wp-content/uploads/2016/T15-20-years-of-TIMSS.pdf
Mullis, S., Martin, O., Foy, P., & Hooper, M. (2016b). TIMSS 2015 International results in mathematics. Boston College, TIMSS & PIRLS International Study Center. Obtido de http://timssandpirls.bc.edu/timss2015/international-results/
Mullis, I. V. S., Martin, M. O., Foy, P., & Hooper, M. (2016c). TIMSS Advanced 2015 International Results in Advanced Mathematics and Physics. Boston College, TIMSS & PIRLS International Study Center. Obtido de http://timssandpirls.bc.edu/timss2015/international-results/advanced/
Ponte, J. P., Serrazina, L., Guimarães, H. M., Breda, A., Guimarães, F., Sousa, H., Menezes, L, Martins, M. E, & Oliveira, P. (2007). Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, Ministério da Educação.

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